Deu pavão, deu borboleta, deu cobra, macaco, veado? Esta, era pergunta corriqueira, feita por uma boa parte dos brasileiros desde quando um aristocrata fluminense, que até era barão, inventou o joguinho aparentemente inofensivo, transformado quase numa mania nacional. No Jogo do Bicho todos faziam a sua ¨fezinha¨ diária. Era pouco dinheiro que saia dos bolsos de trabalhadores, dos aposentados, das donas de casa, dos idosos, também, não era muito o que se ganhava, mesmo quando se acertava na cabeça, no milhar. Mas o bicho era jogo confiável. O bicheiro vendia as apostas aos fregueses costumeiros, no fim da tarde, saia a pagar aos que acertavam. Tudo acontecia assim , na base da confiança, por isso, dizia-se até que o Jogo do Bicho era a mais honesta das instituições brasileiras.
Quando Dona Santinha, a puritana mulher do presidente Eurico Gaspar Dutra, o convenceu a acabar os jogos de azar, o bicho passou a ser contravenção. Mas o alvo de Dona Santinha não era a loteria zoológica, porque, talvez, ela mesma fizesse também a sua inocente ¨fezinha¨. O que perturbava mesmo a senhora Dutra, eram as pernas exibidas das vedetes que se apresentavam no Cassino da Urca, onde a fina flor da elite carioca e brasileira divertia-se e lançava a sorte ao pano verde, movimentando a noite cheia de atrativos boêmios da então capital federal. A mulher do presidente era a solícita intermediária junto ao poder, com o qual presumivelmente dormia, dos reclamos conservadores do clero brasileiro que, entre outros malefícios, enxergava no Cassino da Urca o templo do próprio Satanás, antro pecaminoso onde prosperavam todos os vícios, a licenciosidade, a mais desavergonhada luxúria. O cardeal do Rio de Janeiro, o Núncio Apostólico, estavam apascentados com o fechamento das portas do Cassino, faltava, então, satisfazer aos imperiosos senhores de Washington, que não entendiam como o Brasil podia permitir que o Partido Comunista agisse, coberto pelo manto da legalidade constitucional. Dutra , fascista por convicção, mesmo dizendo-se obediente ao ¨livrinho ¨, a Constituição Federal, que ele mesmo outorgara, depois de derrubar a ditadura que ele mesmo garantira, fez o Congresso jogar na clandestinidade o PC, para, em seguida, começar a caça aos ¨agentes de Moscou.¨ Os comunistas mais uma vez se escafederam pelos caminhos da clandestinidade, e os artistas, homens e mulheres que tinham o principal ganha pão no Cassino da Urca, se viram de repente desempregados, no olho da rua. Assim, comunistas, artistas e os ¨banqueiros ¨ do bicho, estes últimos ainda não atolados no crime, foram vítimas do governo tacanho e mesquinho do marechal presidente.
Os¨ banqueiros¨, donos do negócio, não se contentaram em ser contraventores, mergulharam na criminalidade, organizaram-se como quadrilha, montaram uma rede de atividades ilícitas , que foi muito além de avestruzes, águias, cabras, enveredaram pelo lenocínio, os caças – níqueis, bingos, o tráfico de drogas, e foram enriquecendo muito, tornando-se cada vez mais poderosos, à sombra da conivência policial conseguida à custa de uma enxurrada de propinas.
Em Aracaju, a depender de quem estivesse no comando da Secretaria da Segurança, tornava-se maior ou menor a simbiose corrupta entre bicheiros e policiais. Houve tempo em que um conhecido ¨ banqueiro,¨ Luizinho, que, dizia-se, não passava de ¨laranja ¨de gente mais poderosa, era visto todos os finais de tarde entrando na Secretaria da Segurança sobraçando um pacote. Era a parte diária que cabia à polícia dos rendimentos do bicho. Ninguém incomodava ao bicho, desde aquela época. Ao que se diz, o bicho sergipano não tem as características mafiosas da ¨ banqueirada¨ carioca, os ¨mecenas ¨ das Escolas de Samba e assim, patrocinadores do ¨maior espetáculo do mundo ¨.
Agora os banqueiros do Rio estão mais uma vez foragidos. A polícia desbarata um criminoso esquema do qual o Jogo do Bicho é coadjuvante menor, porque a contravenção transformou-se em marginalidade do mais grosso calibre. O combate aos traficantes se ficar limitado aos morros, nunca conseguirá êxito. É preciso, como agora faz a polícia carioca, chegar também à Vieira Souto, Leblon, Barra, Copacabana, também aos quarteis, aos parlamentos, aos tribunais, a toda a estrutura corrompida do poder. O negócio é grande demais para limitar-se ao traficante com fuzil nas mãos e havaiana nos pés. Uma pequena amostra do volume do ¨negócio¨ foram os 4 milhões de reais muito mal escondidos por um advogado nos esgotos de uma imponente mansão.
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