O desembargador Luiz Mendonça nem seria chamado de covarde, omisso, negligente, se, naqueles dias difíceis, quando ainda Promotor, e teve de tomar decisões que iriam marcá-lo talvez por toda a vida, que ameaçariam a paz da sua família, houvesse, somente, pensado na própria conveniência, na sua tranquilidade pessoal. Tergiversando, amaciando as acusações, não deixaria de chegar ao cargo de procurador de justiça, depois, ao de desembargador. Estaria hoje passeando em mangas de camisa pelos shoppings, frequentando placidamente os restaurantes da cidade, tranquilo em relação à segurança da sua família.
O sentido prático da vida recomendaria que ele colocasse em primeiro lugar os seus próprios interesses, fugisse dos riscos, perfeitamente evitáveis. Essa é uma atitude que pode ser aceita, compreendida, mas, se viesse a tornar-se habitual entre autoridades, entre aqueles que têm sobre os ombros o peso de fazer cumprir a lei, então, a insegurança, a impunidade e a ousadia dos criminosos terminariam por subjugar-nos.
Quando o promotor de justiça Valdir Freitas foi executado por jagunços alugados para a empreitada em Cedro de São João, o Ministério Público se viu desafiado, a cidadania e as instituições afrontadas. Para lá foi mandado Luiz Mendonça. Ele encontrou uma fórmula didática e muito pessoal para afirmar a autoridade. Refez, sozinho, durante quase uma semana o
Mesmo trajeto às margens da rodovia onde Valdir fora assassinado de forma covarde enquanto fazia o seu cooper diário. A comunidade logo sentiu que o Ministério Público não se acovardava e que os matadores seriam punidos.
Depois, veio o episódio de Canindé do São Francisco onde uma quadrilha ousada, tão violenta quanto corrupta, se instalara no poder, atemorizando, assassinando, roubando. Para lá, mais uma vez, foi despachada pelo então Procurador Geral Moacyr Motta uma bateria de promotores, tendo a frente Luiz Mendonça. Em pouco tempo havia presos ou foragidos, a máfia desmantelada com os mandados de prisão sempre expedidos pelo inflexível juiz Diógenes Barreto. Alí, surgiam os juramentos criminosos de uma vingança que poderia tardar, mas, viria a ser consumada.
Naqueles episódios apareceu o nome temido do pernambucano Floro Calheiros, trazido a Sergipe pelo então prefeito de Canindé, Genival Galindo, os dois, envolvidos no assalto ao Forum da cidade e roubo das urnas. Floro foi duas vezes preso pela Policia Federal, duas vezes evadiu-se, primeiro, de uma delegacia em Aracaju, depois, de um hospital onde fora condescendentemente autorizado a ficar, à revelia de Luiz Mendonça, que era o Secretário de Segurança. Surgiram então, produzidas pelo fugitivo, as acusações que agora, depois de morto em tiroteio com a Policia Federal na Bahia, estão sendo reproduzidas e enviadas ao Conselho Federal de Justiça. Quando fugitivo pela segunda vez, Floro fez publicar entrevistas em jornais de Aracaju com ameaças diretas ao então desembargador Luiz Mendonça e à sua família.
A ameaça foi consumada às primeiras horas de uma manhã, quando o desembargador, então presidente do Tribunal Regional Eleitoral dirigia-se ao trabalho . Seu carro foi emboscado por pistoleiros que dispararam dezenas de tiros, isso, numa das principais artérias da cidade, na hora do transito mais intenso. Luiz escapou milagrosamente, mas, teve de empunhar uma metralhadora quando os bandidos se aproximavam para terminar a empreitada. Sabe-se agora, pelo depoimento de um deles, preso, que o intuito era por fogo no automóvel, fazer uma imensa fogueira, espécie de macabra comemoração da vitória do crime sobre as instituições. Um policial militar e segurança do desembargador, foi atingido por uma bala na cabeça. Está até hoje tentando recobrar parte dos movimentos perdidos.
Alguns metros atrás do carro do desembargador rodava um outro veiculo chapa preta, que conduzia sua esposa, a então procuradora Geral de Justiça, Cristina da Gama e Silva Foz Mendonça, indo para o seu trabalho diário.
Se cometessem um equívoco, os pistoleiros poderiam ter assassinado a mulher do desembargador, a mãe dos seus filhos.
A ousadia, as características desafiadoras do atentado, preocuparam e revoltaram o então presidente do Superior Tribunal Eleitoral, ministro Levandowsky.
O objetivo do crime cinematograficamente pensado, articulado e cometido, era, não somente a liquidação física do desembargador, identificado pelo comando do crime organizado como um estratégico inimigo sobre quem teria de ser despejada a vingança implacável, e mais ainda, uma sanguinária exibição de poderio, de ousadia, para criar o medo e subjugar as instituições.
A denúncia que agora é feita contra Luiz Mendonça, de forma tosca, grotesca, sem disfarçar o ódio e o sentimento de vingança, é, por outro meio, a continuação dos mesmos propósitos que geraram o atentado.
Essa inversão de valores, essa subversão de procedimentos, é, não só uma agressão ao magistrado, muito mais, um acinte, uma ofensa à Justiça, uma afronta ao estilo de vida pacífico, digno e civilizado da gente sergipana.
Luiz Mendonça continua tendo de pagar o preço daquela decisão, daquele compromisso com a profissão que escolheu, que o obriga, em nome até da própria honra, a não condescender com o crime, a não se omitir, não recuar, não saber o que é covardia.
Relembramos aqui outro episódio envolvendo, também, um representante inflexível do Ministério Publico. Aconteceu no já distante ano de 1960. O promotor público de Aracaju Paulo Costa havia solicitado sua aposentadoria por tempo de serviço. Ia completar 48 anos. Tornara-se promotor substituto aos 20, ainda estudante em Salvador. Dois anos antes, acontecera um estúpido crime na Barra dos Coqueiros, quando foi morto a facadas Jose Campos, candidato a prefeito do município. O matador, Chiquinho, era homem perigoso e protegido pelo chamado Sindicato do Crime, na época muito atuante, muito desafiador. Políticos poderosos o amparavam, e ele permaneceu solto por muito tempo. Impune, tinha um requinte de maldade ostensiva: gostava de passear todos os dias pela calçada
da casa na praça Olímpío Campos, em Aracaju, onde moravam a viúva e as filhas menores da sua vítima.
O júri foi marcado para a Barra dos Coqueiros. Não foram poucas as ameaças recebidas por Paulo Costa. Diziam que ele seria morto se atravessasse o rio para ir fazer a acusação. Recebeu conselhos para que, já esperando a aposentadoria, pedisse a sua substituição. No dia do jurí ele apenas colocou no bolso um revolver 32 cano curto e saiu sozinho. Amigos, sem nada dizer-lhe, resolveram também cruzar o rio. Um deles, o capitão do exército Juca Teófilo , ex-combatente na Itália, tirou da gaveta sua azeitada Colt-45. Colocou-a numa pasta e ficou a acariciá-la durante o tempo em que durou o julgamento. Paulo Costa fez uma dura acusação, conhecia quase todos os pistoleiros que faziam parte da plateia, entre eles alguns policiais, e falava de frente para os que, raivosos, o escutavam. O Juri absolveu Chiquinho, já estava tudo adredemente arrumado. O Promotor anunciou na hora que iria recorrer, fez isso no dia seguinte. Os amigos o salvaram naquela ocasião, mas, ele viria a morrer em janeiro de 61, vitima de um clamoroso erro médico que nunca foi devidamente apurado.
Há momentos assim, quando os homens se vêm diante da opção difícil de preservar a honra arriscando a própria vida. Pena que, mais de meio século transcorrido, a sociedade não tenha ainda conseguido assegurar aos que combatem o crime, promotores, juízes, policiais, até desembargadores, a tranquilidade para que possam agir sem medo das retaliações. Vinganças, quando não são feitas com o cano das armas, podem acontecer, também, através do rancor de denuncias que extravasam o mesmo ódio que antes acionara mãos assassinas.
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