Nos anos setenta jovens aracajuanos encontravam, criativamente, algumas maneiras de escapar da lassidão opressiva da ditadura. Os grêmios estudantis, os diretórios acadêmicos, estavam fortemente policiados; sair às ruas fazendo manifestações era inimaginável, dizer o que pensavam publicamente seria o mais rápido caminho até a cadeia. Cabeças impedidas de pensar, bocas compulsoriamente fechadas, era preciso então reunir a moçada, mas num local bem protegido, livre dos olhares rigorosos do SNI, fora do alcance dos agentes mal embuçados e muito rancorosos pertencentes aos diversos tentáculos da repressão. Depois que o general Graciliano disse a correspondentes de jornais do sul do país que em Sergipe quem entendia de teatro era a polícia, por aqui, toda forma de arte de repente tornou-se subversiva.
Assim, descobriu-se o espaço livre do Colodiano. Para chegar até lá era preciso atravessar a enseada da Coroa do Meio numa canoa até o areal cercado pelos mangues. Ninguem, queria pegar em armas, planejar ações contra o regime. Davam-se todos por satisfeitos podendo conversar com liberdade, trocar idéias, carícias também, absolutamente sem preconceitos, ao embalo de um violão ou na zonzeira de um baseado.
No Colodiano sobrevivia o desejo de liberdade e onde há esse desejo, apesar de tudo, surge a poesia, o sonho sobrevive.
Segunda –feira, dia 11 o Colodiano, espaço marginal da liberdade de pensar e de ser, entrou solene, com todas as pompas de estilo na Academia Sergipana de Letras. Quem o fez ali chegar cercado de honrarias, capelos, medalhas, cerimonial, foi o poeta jornalista, Amaral Cavalcante. Já era tempo. A caretice anda resistindo, insistentemente, como nefasta tsunami, num interminável festival de besteiras, de burrice, de incultura, de vaidades e preconceitos.
Amaral, num dos mais belos discursos já ouvidos na ASL passeou com erudição pela literatura, e ele, que fez tantas “artes,” não poderia deixar de homenagear os “arteiros “ desafiadores de um tempo opresso. E fez isso com inaudita coragem, poesia e beleza. Desmontou preconceitos, revelou-se, reconheceu-se em tantas amizades, em afetos que não empalideceram enquanto embranqueciam os cabelos. Fez poesia ao longo de toda a prosa de um texto primoroso. Reviveu a poesia e a prosa da resistência.
Fazendo contraponto com o poeta que se imortalizava, quem o saudava, o professor, escritor e historiador Jorge Carvalho, traduziu na peça oratória de boas vindas a alegria de toda uma geração onde Amaral foi uma inquietude referencial. Jorge, com a maestria de uma escrita que exibe sempre bela consistência cultural, apegou-se a um poema de Neruda, pinçou fragmentos e os fez juntar a cada momento da oratória.
Foi uma noite para ficar na história da Academia, assim comentou Marcelo Déda ao abraçar o amigo, agora imortalizado poeta
Nenhum comentário:
Postar um comentário