sábado, 16 de julho de 2011

O COLODIANO NA ACADEMIA


  Nos anos setenta jovens aracajuanos encontravam, criativamente, algumas  maneiras de escapar da lassidão opressiva da ditadura. Os grêmios estudantis, os diretórios acadêmicos, estavam fortemente policiados; sair às ruas fazendo manifestações era inimaginável, dizer o que pensavam publicamente seria  o mais rápido caminho até a cadeia. Cabeças impedidas de pensar, bocas  compulsoriamente fechadas, era preciso então reunir a moçada, mas num local bem protegido, livre dos olhares rigorosos do SNI, fora do alcance dos agentes mal embuçados e muito rancorosos pertencentes aos diversos tentáculos da repressão. Depois que o general Graciliano disse a  correspondentes de jornais do sul do país que em Sergipe quem entendia de teatro era a polícia, por aqui,  toda forma de arte de repente tornou-se subversiva.
Assim, descobriu-se o espaço livre do Colodiano.  Para chegar até lá era preciso atravessar  a enseada da Coroa do Meio numa canoa  até o areal cercado pelos mangues. Ninguem,  queria pegar em armas, planejar ações contra o regime.  Davam-se todos por satisfeitos podendo conversar com liberdade, trocar idéias, carícias também, absolutamente sem preconceitos,  ao embalo de um violão ou na zonzeira de um baseado.
No Colodiano   sobrevivia o desejo de liberdade  e onde há esse desejo, apesar de tudo, surge a poesia,  o sonho sobrevive.
Segunda –feira, dia 11 o Colodiano,  espaço  marginal da liberdade de pensar e de ser, entrou solene, com todas as pompas de estilo na Academia Sergipana de Letras. Quem o fez ali chegar  cercado de honrarias, capelos, medalhas, cerimonial, foi o poeta jornalista,  Amaral Cavalcante. Já era  tempo. A caretice anda resistindo, insistentemente, como nefasta  tsunami,  num interminável festival de besteiras, de burrice, de incultura, de vaidades e preconceitos.
Amaral, num dos mais belos discursos já ouvidos na ASL passeou com erudição pela literatura, e ele, que fez tantas “artes,” não poderia deixar de homenagear os  “arteiros “ desafiadores de um tempo opresso. E fez isso com inaudita coragem, poesia e beleza. Desmontou preconceitos, revelou-se, reconheceu-se em tantas amizades, em afetos que não empalideceram enquanto embranqueciam os cabelos. Fez poesia ao longo de toda a prosa de um texto primoroso. Reviveu a poesia e a prosa da resistência.
Fazendo contraponto com o poeta que se imortalizava,  quem o saudava, o professor, escritor e historiador Jorge  Carvalho, traduziu na peça oratória de  boas vindas a alegria de toda uma geração  onde Amaral  foi uma inquietude referencial. Jorge, com a maestria de  uma escrita  que exibe  sempre  bela consistência cultural, apegou-se a um poema de Neruda, pinçou fragmentos e os fez  juntar a cada momento da oratória.
Foi uma noite para ficar na história da Academia, assim comentou Marcelo Déda ao abraçar o amigo, agora imortalizado poeta

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