sábado, 11 de junho de 2011

UMA INGRATIDÃO ITALIANA


Há na  Calábria, mal-afamada região italiana, um dito jocoso que corre de boca em boca: Quando nasce uma criança  do sexo masculino o pai segura nas mãos uma consistente massa de pizza e a arremessa contra a parede  do quarto do recém nascido; se a massa cair, a criança será um mafioso, se despencar  ao chão, será um cantor. Os italianos são assim, têm muito daquelas características latinas que existem nos brasileiros, estes, marcados ainda mais pela sensualidade africana, todos porém  igualmente expansivos, tantas vezes emocionais, capazes também de rir-se dos próprios defeitos. Pois não é que um ministro da Justiça italiano propôs, nada mais nada menos, do que um boicote da seleção, a “azzurra” de tantas glórias, à Copa do Mundo de 2014 no Brasil !!!
Fizesse o Brasil tal bobagem, logo seria lembrada aquela frase que o general De Gaulle aliás nunca disse, nesse caso transferida para a Itália:  “L’ Italie, ne’pas un pays serieux.” Mas a Itália é terra européia, centro do antigo império romano, país de história e tradições milenares, berço do Renascimento,  de Leonardo da Vinci, de  Caruzo, de Verdi, de  Gramisci,  de São Francisco de Assis, da ópera Nabuco, e seria fastidioso enumerar todos os seus artistas, os seus santos, os seus políticos, os seus gênios. Quando se fala daquela península, é impossível não sentir o olor dos seus vinhos, os sabores e os cheiros florais  que emanam naquelas  colinas da Toscana,      seios arredondados de uma madona carnuda, de numa madrugada gélida, como sons atemporais nos ouvidos deliciados, o marulhar suave, quase imperceptível, talvez sonhado, das águas do Arno esbatendo-se contra  a arquitetura inigualável de Florença, ou ainda, o metálico, quase celestial planger  de um violino numa noite ébria, pelo chão molhado da Praça São Marcos, afagando uma desconhecida, encontrada quase bêbada num canto deserto de um bar fumarento, ao lado do palácio onde os Médicis fizeram ferir punhais assassinos, e também mover pinceis que criaram as mais belas formas de arte. Não se pode falar em Itália sem evocar sentimentos, e esses suplantam as lembranças dolorosas do fascismo, que soldados brasileiros deram o sangue e a vida para ajudar a derrotá-lo, e agora, bem presente,  a constatação vergonhosa de que a grande Itália se faz menor pela avacalhação de um mafioso que os italianos toleram, e ainda aplaudem, e não se apressam em derrotá-lo e prendê-lo, o neo-fascista, mafioso, corrupto e amoral Sílvio Berlusconi.
Cesare Batisti poderá até ter cometido crimes, ter feito jorrar sangue, mas isso aconteceu na década agitada dos setenta, quando, tanto a sua facção, os Proletários Armados Para o Comunismo, como as Brigadas Vermelhas, empenhavam-se numa luta política armada, não exatamente contra a democracia italiana, mas, contra o regime capitalista que eles sonhavam em derrotar pela via armada.  Num país que em tantos casos se mostrou condescendente com mafiosos, tanto assim que não os consegue expulsar de Nápoles, da Sicília, da Calábria, é estranha essa  sêde de punição a  Batisti, a perseguição que contra ele moveram, desrespeitando-se até princípios elementares,  como o  direito à defesa. Todos os que pegaram em armas no passado  contra o Estado italiano foram anistiados, menos Batisti. Por que toda essa comoção, toda essa arrogância, todo esse desconhecimento de que a um país soberano é-lhe facultado o direito de conceder asilo, e o julgamento do merecimento ou não da guarida concedida cabe apenas ao país concedente ? Por que os insultos ao Supremo Tribunal Federal, ao  ex-Presidente Lula, ao Brasil, classificado como “ republica bananeira de segunda categoria”? Foi essa” república bananeira de segunda categoria” que abrigou levas e mais levas de italianos acossados pela fome, pela miséria em seu país, que aqui chegaram como emigrantes, aqui foram recebidos com afeto, aqui formaram famílias, aqui têm milhões de descendentes, que, sendo, brasileiros, se sentem ofendidos pelo insensato clamor e o desrespeito ao Brasil. Da “república bananeira” desprezível, saíram os soldados que foram ajudar a Itália sã, a livrar-se da doença política espalhada por Benito Mussolini e sua gente criminosa;  daqui, também saiu uma mulher heroína, Anita , que, com seu amado aventureiro e idealista italiano, Garibaldi, foi lutar pela fundação da moderna Itália. Por esse tempo andavam exilados no Brasil carbonários, os terroristas da época, que depois, foram recebidos festivamente na Itália  que derrotara a opressão com a ajuda deles, tão bem recebidos e acolhidos pelo que  seria então o “Império bananeiro “.
 Um dia tudo isso passará, e os italianos, pelo menos os não contaminados pela intolerância fascista, irão reconhecer que cometeram uma injustiça com o país do mundo que, depois dos Estados Unidos mais os acolheu e talvez mais os admire.

Nenhum comentário:

Postar um comentário