quinta-feira, 5 de maio de 2011

A MORTE DE BIN LADEN UM “FAROESTE” AMERICANO


Existe, arraigadamente na cultura americana, um traço forte dos velhos costumes do far-west que o cinema levou ao mundo, de certa forma agregando um glamour que contracenava com a maldade e a violência. John Wayne nunca estava acompanhado apenas do cavalo, dos revólveres e do rifle 44. Sempre havia um salão, mulheres atraentes que dançavam can-can deixando entrever as pernas, enquanto agitavam as saias estufadas por camadas espessas de entretela . O alongado beijo na boca era o happy-end invariável, mas isso depois que o sheriff trazia, amarrado e atravessado sobre a sela o corpo do bandido morto. Assim, sempre a morte era o corolário inseparável da Justiça, a afirmação do primado da lei e do bem. E surgia também o herói, o homem corajoso justo e justiceiro que arriscava a vida enfrentando os fortes e desalmados, para proteger os fracos inocentes e indefesos.
Nada representaria tão bem a realidade americana como essa metáfora do far-west, o bem vencendo o mal, sempre com a providencial ajuda do gatilho.
Com a crença dos puritanos fundadores a incendiar-lhes as almas, os americanos construíram um império sem nunca tirar o dedo do gatilho, e confiantes que o mal , isto é, os seus inimigos, inapelavelmente terminariam abatidos com as pernas e cabeça balouçando sobre o dorso de um cavalo, para demonstrarem, mortos, que houve a vitória e se fez a Justiça. Exterminaram os índios e espalharam rebanhos e campos cultivados pelas grandes planícies, depois, saíram com seus clippers, veleiros rápidos de bucaneiros, que logo virariam canhoneiras pelos mares do mundo, subjugando e exterminando. Fizeram guerras infindáveis invadindo países, mas sempre sob o lema da liberdade, da democracia, da Justiça. Enriqueceram, foram lutar na Europa e decidiram a Primeira Guerra, quando suspeitaram que os países dessangrando-se no longo morticínio , todos, seus credores, terminariam por falir antes de se aniquilarem mutuamente. Entravam em cena os grandes banqueiros e os poderosos mercadores da morte, os magnatas da indústria bélica. Depois, salvariam a civilização, quando ajudaram a extirpar do mundo a peste do nazi-fascismo. E então deram uma mãozinha para que o aliado inglês perdesse suas colônias, e logo desapareceria o império onde o sol nunca se punha.
A “guerra fria” foi um grande negócio . Nunca os Estados Unidos ganharam tanto dinheiro e nunca se fizeram tão poderosos. Depois, com o desmoronar da União Soviética, surgiram como a única e incontestável potencia hegemônica. Acabando o confronto, nada seria pior para o complexo industrial militar do que uma era de paz. A boa notícia, para eles, foi o surgimento dos Bin Ladens, gente ensandecida e disposta a matar indiscriminadamente, atiçada pelo fanatismo. Aparecia a oportunidade, um outro pretexto para ganhar dinheiro: a guerra contra o terror. Mas aí tiveram a surpresa de constatar que esses loucos que lhes abriam a perspectiva de grandes lucros, poderiam ser incontrolavelmente perigosos. Por trás deles estava o enorme manancial de ódio que a arrogância do Império espalhara pelo mundo. Gente humilhada, espezinhada, vítima de ditadores e de sistemas opressivos que o Império sustentou; gente desalojada das suas terras e que a elas não podem voltar porque o Império arma e garante quem os desalojou.
Na noite em que Bin Laden foi executado jovens americanos encheram as ruas em clima de euforia, exaltando o seu país, encantados com o sucesso da operação que exterminou o “”grande inimigo,” depois de uma longa caçada de mais de dez anos. Quando desmoronaram as torres gêmeas atingidas pela precisão calculada de um fanatismo ao mesmo tempo ensandecido e eficaz, outros jovens clamaram por vingança. Naquele instante ninguém se perguntou onde estariam, efetivamente, as causas motivadoras de todo aquele ódio assassino. Falaram em vingança, em guerras, e logo os jovens que lamentaram a catástrofe estariam como buchas de canhão morrendo em outros palcos, onde a certeza da eficiência do gatilho os levou a lutar e a morrer, no Iraque, no Afeganistão. Lá caçaram terroristas, lá prenderam alguns infelizes e os torturaram sadicamente no campo de concentração de Guantánamo, uma réplica quase exata de outras prisões que os nazistas construíram. Depois de tudo isso, onde estava o homem mais perigoso do mundo, o terrorista que valia premio de cinqüenta milhões de dólares, quando chegaram, descendo de helicópteros, os comandos de elite que o mataram? Bin Laden, desarmado, dormia em espaçosa cama estendido entre suas duas mulheres. Nem havia a proteger-lhe um pelotão de combatentes. A casa bem visível, destacando-se entre construções simples, estava, não nos ermos de uma montanha, mas numa cidade paquistanesa, bem ao lado de uma base militar e a pouca distancia da capital. Nela escondia-se quase desprotegido e isolado, valendo-se de um moto-boy para comunicar-se com o mundo, o homem tão procurado. Até encontrá-lo, consumiram-se trilhões de dólares, em duas sangrentas guerras; transformaram o mundo num campo de manobras guerreiras, pisaram sobre os direitos humanos, fizeram pouco caso de fronteiras e da soberania de vários países.
Naquela retardada e facílima ação que resultou na morte de Bin Laden, encontraram o que faltava para encher de orgulho patriótico uma população que foi trabalhada para acreditar que os Estados Unidos estão acima do bem e do mal, e que seus exércitos espalhando a morte substituem a ira divina, voltada contra a maldade, a injustiça e a opressão. Nas cerimônias fúnebres dos seus militares mortos pelo mundo a fora, sempre lembram que eles merecerão o céu, porque morreram lutando pela liberdade. Nada muito diferente dos mulás fundamentalistas, que prometem o paraíso povoado por voluptuosas virgens a todos os que se explodem em nome de Alá.
Por que um homem como Bin Laden, rude, fanático, primitivo, conseguiu atrair tantos adeptos, tanta gente disposta a se transformar em mártires de uma causa que consideram santa?
Se conseguissem uma resposta consistente e sábia para essa pergunta, os Estados Unidos nem precisariam fazer duas guerras, gastar bilhões numa caçada, armar tropas de elite onde cada homem super treinado, dispara uma média inacreditável de 400 tiros por dia.
É o excesso da crença no gatilho, e o desprezo da razão. O far-west sem nenhum glamour da realidade americana.

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