terça-feira, 5 de abril de 2011

QUANDO RAREIAM OS ESTADISTAS


O século XX foi pródigo em estadistas, já este, XXI, parece que acompanha o processo de sumiço dos grandes homens de Estado iniciado algum tempo depois de encerrada a Segunda Grande Guerra. Depois que De Gaulle recolheu-se para morrer entediado em Colombey Les  Deux Églises,  restou-nos Mikhail Gorbatchev que revelou-se estadista quando entendeu, ao contrário de todos os seus antecedentes no Kremlin, que o hermético e autocrático sistema soviético teria de ser substituído por algo menos anacrônico. E assim, com a perestroikae a glasnostele desmontou o artificial império, fez transição quase pacífica do regime hermético para uma democracia meia-sola. Clarividente, Gorbatchev evitou um morticínio, tendo a coragem de enfrentar a engrenagem totalitária que se disfarçava com o nome de socialismo. Alguém lembrará da Dama de Ferro, a senhora Margareth Teatcher, de Ronald Regan. Mas o que eles fizeram além de espichar os dias de um liberalismo econômico condenado ao fracasso? No século vinte é possível identificar grandes estadistas, tanto no primeiro como no chamado terceiro mundo, e neste, eles apareceram providenciais no sofrido, doloroso processo das lutas pela independência das colônias.  Aí surge, grandioso, Nelson Mandela. Depois do apartheid que o humilhou e prendeu, ele, no poder,  dissolveu as odiosidades, juntou, emblematicamente, num estádio de futebol negros e brancos, e mostrou como poderia ser uma África do Sul multiracial.  Excluamos do rol respeitável dos estadistas aqueles que foram ditadores, assim, sobrariam no Brasil, por exemplo, Juscelino Kubitschek de Oliveira e Luiz Inácio Lula da Silva, este último já neste século carente, onde FHC também poderia ter figurado se lhe sobrasse, além da vaidade imensa, um olhar mais efetivo para o povo, a desprezível plebe que o Império não viu e a República fingiu enxergar. Josef Stalin, por cima de todos os seus cadáveres, para a União Soviética teria sido estadista, se, para salvar o seu país houvesse apenas feito a horrenda aliança com Hitler, sem a qual a URSS teria sido pulverizada pelas tropas nazistas, com o resto do mundo alegremente assistindo de camarote a matança. Mas ele igualou-se aos baixos instintos de Hitler, e participou criminosamente da partilha e aniquilação da Polônia, daí porque, é sempre boa providência de assepsia moral não enxergar como estadistas aqueles que governaram pelo uso da força. Entre estes, Vladmir Lênin poderia figurar como exceção, mas, a morte prematura não lhe permitiu deixar pronto o esboço do Estado socialista com o qual tanto sonhara.
As grandes personalidades que povoaram o século vinte desde o começo rarearam no seu final, e agora desapareceram por completo neste começo de centúria, tão marcado por fortes e inusitados episódios. Houve o 11 de setembro, duas guerras, agora uma terceira, o colapso do sistema financeiro, o SOS desesperado do capitalismo, que vai sobrevivendo amparado pelo Estado, uma heresia em tempos de neoliberalismo. Descobrimos que a civilização poderá estar vivendo seus dias finais se a devastação do planeta não for contida. Agora um tsunami rebelde no mundo árabe arrasta ditadores e faz aflorar inacreditáveis contradições.
 E onde estão os estadistas, nesta hora em que, mesmo para os absolutamente descrentes na possibilidade de super-homens, seria providencial o surgimento de grandes personalidades políticas?
Por algum momento imaginou-se que a Barack Obama estaria reservado o papel de tentar liderar o mundo, conduzi-lo ao início de uma virada civilizatória. Depois daquele calamitoso títere das corporações petroleiras, o Bush-2, Obama seria o homem que poderia desenhar o esboço de um mundo multilateralista, mas, para isso, seria preciso domar o Pentágono, mudar a face do complexo- militar- industrial que faz sobrepor seus interesses sobre os Estados Unidos, e, de certa forma, sobre o mundo. Mas Obama ao receber o premio Nobel da Paz, quase fez uma apologia à guerra, aumentou a matança no Iraque, no Afeganistão, Entre um discurso cheio de charme e vazio de idéias para uma platéia devidamente revistada no Teatro Municipal, um passar de olhos pela cidade do Rio de Janeiro, lá no alto do Corcovado, ele mandou disparar seus mísseis e jogar suas bombas sobre a Líbia. Tudo muito humanitariamente, para salvar da morte os opositores de Kadhafi.
O candidato à estadista se desfez no hipócrita. E boa parte dos homúnculos europeus o acompanhou, sob as bênçãos de uma ONU incapaz de cumprir seu verdadeiro papel. A Europa quase falida, foi à guerra. Sarkozy queria mostrar a pontaria dos seus Raffales, e que é algo mais do que o marido da Carla Bruni; David Cameron precisava fazer o seu batismo de sangue; Zapatero, impotente diante do desemprego que fustiga a Espanha, colocou em pauta outro assunto que não fosse a crise;  Berlusconi quis vingar-se de Kadhafi, aquele egoísta que não liberou o acesso às  duzentas  loiras da sua  guarda pessoal quando andou visitando a Italia envergando aquele multicolorido uniforme , bela fantasia para qualquer mestre-sala de escola de samba.
Obama começou a guerra por telefone, num quarto de hotel, enquanto pedia a Michele que ajeitasse o nó da sua gravata. A piedade o fez agir assim, tão rapidamente. Em outros desertos, em outras regiões esquecidas do mundo, há massacres, genocídios, a fome dizima milhões de pessoas todos os anos. Nesses locais desgraçados não há petróleo, então, a piedade não chega até eles. Aquela piedade guerreira sempre surge, quando está em jogo o petróleo.

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