sábado, 19 de março de 2011

JAPÂO- AS CORPORAÇÕES FALHARAM E O GOVERNO DESAPARECEU

Naquele agosto de 45, fumegavam os escombros de Hiroshima e Nagasaki, a força desconhecida e letal da radioatividade fulminava à distancia milhares de pessoas, e desfazia-se o orgulho japonês na cerimônia de rendição à bordo de um navio americano na baia de Tóquio. Os dignitários nipônicos vieram envergando impecáveis fraques para assinar os termos da rendição incondicional, curvavam-se repetidamente numa saudação usual, que, naquele momento, parecia acentuar a humilhação. O general McArthur que logo se tornaria administrador militar do Império do Sol Nascente, não os autorizou a falar e abreviou o ato. Três meses antes, a Alemanha se rendera, mas, na escola de Reims, onde estavam os comandantes aliados vitoriosos, chegaram os generais alemães imponentes em seus uniformes, e até ao ato final de capitulação imprimiram o velho estilo prussiano da raça guerreira.
Na rendição, os japoneses transmudavam-se. Saíram de cena os shoguns, senhores da guerra, os samurais, o imperador perdera a aura divina quando falou ao rádio anunciando a capitulação. Pela primeira vez os súditos que o imaginavam quase um deus, ouviram a sua voz. Os trajes civis dos emissários simbolizavam, também na derrota, que o Império abria mão, definitivamente, dos seus generais e almirantes , arrogantes e autocratas.
Desaparecia o Japão militarista , a ordem unida de um Estado-Quartel foi logo substituída pela educação metódica e rigidamente disciplinadora. Numa democracia formal, o aparato disciplinador nas escolas, nas fábricas, nas instituições, depois agasalhado em todos os lares, absorvido no comportamento individual e no coletivo dos nipônicos, transformou-se numa relação bem mais eficaz de mando e submissão, do que poderia sonhar um Estado agente das formas tradicionais de domínio.
Um povo batido pela guerra , pela catástrofe atômica, pelos desastres naturais, vivendo num país com exíguas dimensões e sem recursos naturais , encontrou na educação, na obediência e capacitação profissional a sua fórmula prática de sobrevivência.
Depois que os vencedores americanos concluíram a sua tarefa de modernização do país, ou seja, de prepará-lo para ser um bom parceiro nos negócios, entraram, ou se foram formando as grandes corporações.
No inicio dos anos 50, apareciam pelo mundo os radinhos de pilha Mitsubishi. Na época, uma revolução tecnológica que chegava do Japão, e logo o Milagre Japonês começava a ser apresentado como exemplo e modelo a ser seguido, principalmente pelos paises subdesenvolvidos.
A nova era tecnológica e científica que o mundo começava a viver, fortaleceu, mais acentuadamente ainda após a queda emblemática do Muro de Berlim, as teses ultraliberais, com origens no século dezoito, nas idéias do ¨laisser faire, laissez passez¨.
O Japão seguiu ao pé da letra o ditado neoliberal. Um fato sintomático: Nesses últimos 20 anos, naquelas listas que publicações famosas fazem anualmente, destacando as pessoas mais influentes do mundo, não figura um só governante japonês, mas, lá estão, numerosos, os presidentes das grandes corporações, Sony, Toyota, Mitsubishi, Honda, e tantas outras multinacionais poderosíssimas. No resto do mundo houve um fenômeno semelhante, mas, nada que se igualasse ao Japão, a terra de leite e mel das corporações que substituíram, até então com aparente eficácia, o governo que se encolheu e quase sumiu.
O autor do livro , O Milagre Japonês, que foi best-seller mundial na década dos setenta, narrava, como episódio que deveria transformar-se em paradigma para o mundo, as grandes assembléias de acionistas que as corporações realizavam. Era tanta gente que as reuniões se faziam nos estádios.
Espalhando-se assim eficientemente, a impressão de que as empresas eram geridas pelos seus acionistas minoritários, esqueceram, todavia, de lembrar que nos estádios a imensa platéia ouvia, recebia informações sobre o que fora decidido, sobre quanto seriam os dividendos a ganhar, mas ninguém tinha voz, ninguém efetivamente participava.
As corporações conseguiram robotizar a sociedade japonesa. Os trabalhadores em troca de um padrão de vida que é discutível, esqueceram-se de todos os seus direitos, perderam o lazer,o convívio familiar, acumularam horas de trabalho além da jornada normal, renunciaram à parte do salário, quando as empresas apresentavam lucro menor, imaginavam-se parceiros de algo cuja engrenagem eram incapazes de identificar.
A sociedade japonesa, disciplinada, conformista, com suas ações organizadamente submissas, e num país reconhecido como democrático e atento aos direitos humanos,
fazia nascer o monstro, movido exclusivamente pela ambição do lucro das corporações.
Num país menor do que o Ceará, uma população que se aproxima da brasileira, vive estressada em megalópolis que se interligam sucessivamente, convive com 53 usinas atômicas, com prédios gigantescos, num país cuja terra treme todo o dia, e não passa um ano sem que suceda alguma catástrofe natural. O Japão não tem petróleo, não tem ferro, não produz alimento suficiente nem para um quarto da sua população, sofre terremotos, maremotos, ciclones, mas, tornou-se a segunda potencia econômica do mundo, hoje é, por enquanto, a terceira. Um sucesso de gerencia, de educação, de eficiência, de devoção ao trabalho, sem dúvidas um milagre da ciência e da tecnologia.
Num livro publicado na França em 1997 pela Éditions Galilée, intitulado Géopolitique du Chaos, o autor, Ignácio Ramonet observa: ¨ Um número cada vez maior de pessoas ficam convencidas de que a ciência já não consegue fazer nada pelo planeta, nem por elas, e que o progresso, quando é conduzido somente pelo interesse mercantil, é a mãe de todas as crises ¨.

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