domingo, 21 de agosto de 2016

AS VAIAS, OS VAIADOS E A BUSCA DA SENSATEZ



AS VAIAS, OS VAIADOS E A BUSCA DA SENSATEZ
A frase é de Nelson Rodrigues: “Brasileiro vaia até minuto de silêncio.”
Nelson Rodrigues foi o psicanalista do Brasil coletivo, e das suas individualidades. Não quis ouvir uma só palavra da Nação enorme e complexa que ele conseguiu deitar sobre o divã da sua curiosidade nada científica, apenas, essencialmente empírica. Nelson, um conservador renitente, foi ao mundo real que as teorias muitas vezes desprezam, e captou a alma brasileira, no que ela tem de mais peculiar, contraditório, e até mesmo errático.
A tendência do brasileiro para vaiar, é uma dessas peculiaridades do nosso espírito libertário, tendendo um pouco para o anarquismo, ou a descrença nas autoridades e nas instituições.
A vaia é gestada no silêncio das indignações individuais, fica recolhida na timidez ou na covardia de cada um, e um dia se liberta, quando outros indignados se encontram, e vencem a tibieza, e saem do espaço mofino onde reprimem a sua ânsia de liberdade.
 As vaias podem enfraquecer governantes, mas sempre fortalecem a democracia.
Virtuoso é o governante que, debaixo de vaia, reprime a vontade de apelar para a polícia, e fortalece a intenção de corrigir erros, e reencontrar-se com a vontade popular.
Tomara que ao ser finalmente localizado no canto do Maracanã onde se refugiava até ser obrigado pelo protocolo a declarar aberta a Olimpíada, Temer, ouvindo a vaia retumbante, não a tenha interpretado como se fosse, apenas, a raivosa manifestação de uma minoria indignada pela perda das regalias de um poder mal exercido.
As vaias, usadas como meio fácil e impactante de protesto, não devem ser desperdiçadas.
Por mais inspiração libertária que tenham as vaias, mesmo aquelas reconhecidamente espontâneas, terão de ter alguma dose de sensatez, para que produzam algum resultado prático.
Quando o ministro da Educação Mendonça Filho veio a Aracaju anunciar a liberação de dinheiro para o Hospital da UFS, lá estavam, para sonoramente vaiá-lo, chamá-lo de golpista, os servidores, professores, alunos da UFS, centrais sindicais e militantes.
A democracia se engalana quando todas as manifestações pacíficas, fazem parte da pedagogia politizante de uma sociedade livre.
Naquele dia, um marco que poderia delimitar o terreno da sensatez parece ter sido ultrapassado. Foi quando o professor Uchoa, reitor da UNIT, passando ao lado dos manifestantes foi vaiado, e vítima de ofensas raivosas.
O que teria feito Uchoa para sofrer o constrangimento?
Ter, saindo do anonimato de uma família pobre, construído, realizado, gerado milhares de empregos, formado três gerações de sergipanos, e aberto os portões da UNIT para sair ao encontro resolutivo dos problemas que afetam a nossa sociedade?
No mesmo instante em que nós brasileiros respondemos à afronta dos atletas americanos, bêbados e irresponsáveis, tornando clara a indignidade por eles cometida, e criamos até a vaia, aquela, sob forma da adjetivação que os perseguirá por muito tempo: “liers, liers, liers”, mentirosos, mentirosos, mentirosos, na nossa Aracaju, sempre altiva e independente para vaiar, e também  generosa e reconhecida para agradecer,  deturpamos o sentido de um protesto, e desqualificamos a vaia. Perdemos a oportunidade que sempre existe para vaiar com indignação, quando é preciso, e  também,  com sensatez, para aplaudir, sendo justo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário