AS VAIAS, OS VAIADOS E A BUSCA DA SENSATEZ
A frase é de Nelson Rodrigues: “Brasileiro vaia até minuto de
silêncio.”
Nelson Rodrigues foi o psicanalista do Brasil coletivo, e das
suas individualidades. Não quis ouvir uma só palavra da Nação enorme e complexa
que ele conseguiu deitar sobre o divã da sua curiosidade nada científica,
apenas, essencialmente empírica. Nelson, um conservador renitente, foi ao mundo
real que as teorias muitas vezes desprezam, e captou a alma brasileira, no que
ela tem de mais peculiar, contraditório, e até mesmo errático.
A tendência do brasileiro para vaiar, é uma dessas
peculiaridades do nosso espírito libertário, tendendo um pouco para o
anarquismo, ou a descrença nas autoridades e nas instituições.
A vaia é gestada no silêncio das indignações individuais, fica
recolhida na timidez ou na covardia de cada um, e um dia se liberta, quando
outros indignados se encontram, e vencem a tibieza, e saem do espaço mofino
onde reprimem a sua ânsia de liberdade.
As vaias podem
enfraquecer governantes, mas sempre fortalecem a democracia.
Virtuoso é o governante que, debaixo de vaia, reprime a
vontade de apelar para a polícia, e fortalece a intenção de corrigir erros, e reencontrar-se
com a vontade popular.
Tomara que ao ser finalmente localizado no canto do Maracanã
onde se refugiava até ser obrigado pelo protocolo a declarar aberta a Olimpíada,
Temer, ouvindo a vaia retumbante, não a tenha interpretado como se fosse,
apenas, a raivosa manifestação de uma minoria indignada pela perda das regalias
de um poder mal exercido.
As vaias, usadas como meio fácil e impactante de protesto, não
devem ser desperdiçadas.
Por mais inspiração libertária que tenham as vaias, mesmo
aquelas reconhecidamente espontâneas, terão de ter alguma dose de sensatez,
para que produzam algum resultado prático.
Quando o ministro da Educação Mendonça Filho veio a Aracaju
anunciar a liberação de dinheiro para o Hospital da UFS, lá estavam, para
sonoramente vaiá-lo, chamá-lo de golpista, os servidores, professores, alunos
da UFS, centrais sindicais e militantes.
A democracia se engalana quando todas as manifestações pacíficas,
fazem parte da pedagogia politizante de uma sociedade livre.
Naquele dia, um marco que poderia delimitar o terreno da
sensatez parece ter sido ultrapassado. Foi quando o professor Uchoa, reitor da
UNIT, passando ao lado dos manifestantes foi vaiado, e vítima de ofensas
raivosas.
O que teria feito Uchoa para sofrer o constrangimento?
Ter, saindo do anonimato de uma família pobre, construído, realizado,
gerado milhares de empregos, formado três gerações de sergipanos, e aberto os
portões da UNIT para sair ao encontro resolutivo dos problemas que afetam a
nossa sociedade?
No mesmo instante em que nós brasileiros respondemos à
afronta dos atletas americanos, bêbados e irresponsáveis, tornando clara a
indignidade por eles cometida, e criamos até a vaia, aquela, sob forma da
adjetivação que os perseguirá por muito tempo: “liers, liers, liers”, mentirosos,
mentirosos, mentirosos, na nossa Aracaju, sempre altiva e independente para
vaiar, e também generosa e reconhecida
para agradecer, deturpamos o sentido de
um protesto, e desqualificamos a vaia. Perdemos a oportunidade que sempre existe
para vaiar com indignação, quando é preciso, e
também, com sensatez, para
aplaudir, sendo justo.
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