sexta-feira, 6 de maio de 2016

O JUIZ MARCEL E O ZAP ZAP ARROGANTE



O JUIZ MARCEL E O ZAP ZAP ARROGANTE
Em 1970 a Fundação Getúlio Vargas editou no Brasil o livro Comunicação na Era Espacial, um estudo realizado pela UNESCO sobre as transformações a partir da nova tecnologia dos satélites. Talvez, pela novidade da aventura espacial, o livro é pessimista, ou, pelo menos, excessivamente moderado em relação ao impacto que viria a ocorrer, transformando o mundo naquela “Aldeia Global” conjecturada por Mac Luhan.
As inovações invariavelmente se chocam com hábitos arraigados e preconceitos admitidos como dogmas. Quando inventou-se a máquina a vapor, surgiram reações de grupos religiosos que diziam ser aquela uma “invenção diabólica”, pois o homem não poderia usar os elementos criados por Deus, no caso a água e o fogo, para misturá-los, numa bruxaria demoníaca. Esqueciam-se, talvez, do milenar e prosaico  ato de cozinhar. Daí se inferir, que, misturar ciência com visão fundamentalista é um sério obstáculo ao progresso.
 Apesar do ceticismo da UNESCO, alguns bilhões de seres humanos se comunicam hoje instantaneamente, e as redes sociais estabeleceram um novo poder que supera o antes exercido pela mídia convencional. Daí o medo que regimes fechados e obscurantistas têm da Internet, embora a utilizem para os seus propósitos, como é o caso do Estado Islâmico e da Coréia do Norte.
Essa nova realidade conduz a uma necessária reflexão sobre aonde podem ir os limites para o uso do ciberespaço. Se, por exemplo, os conceitos de cidadania e privacidade seriam suficientes para justificar as atitudes do Whatsapp, negando  à Justiça acesso à mensagens trocadas por traficantes.
O Juiz de Lagarto Marcel Montalvão é um discreto e comedido magistrado. Ele tem uma exemplar história de vida.  Deve ter meditado muito e muito também tolerado as arrogâncias do Whatsapp, antes de tomar a drástica decisão de suspender o aplicativo por 78 horas. Da mesma forma, o sempre criterioso desembargador Cezário Siqueira,teria mergulhado fundo nas suas convicções, no seu consistente lastro jurídico, para dar a decisão confirmando a liminar do Juiz.
Sobre o assunto ainda não se tem uma legislação pertinente e ampla e há enormes e justificáveis controvérsias. A punição estendendo-se além da própria empresa desobediente e atrevidamente desafiadora, criou problemas para milhões de pessoas, afetou algumas atividades econômicas.  Baseando-se nessas conseqüências, o também criterioso desembargador Ricardo Múcio ateve-se apenas ao efeito prático produzido, e suspendeu a liminar.
Essa questão do uso e do abuso do ciberespaço é complexa, ainda dará motivos a muitos entrechoques de idéias. É normal e salutar que isso aconteça, até porque, onde se estabelece um espaço imenso para dúvidas e contestações, é difícil dele extrair verdades conclusivas.
 O que não se pode admitir é essa estúpida carga de ofensas e agressões ao Juiz. Da mesma forma é impensável que o Conselho Nacional da Magistratura venha a abrir sindicância sobre a atitude do magistrado. A Justiça brasileira estaria amesquinhando-se diante do poderio arrogante de uma empresa sem a menor consideração às instituições do país onde põe os tentáculos.

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