A POLÍCIA ENXUGANDO GELO
¨ Estamos a enxugar gelo ¨. Esta é uma frase repetida agora pelos policiais sergipanos, tanto os militares
como os civis . A metáfora se aplica com
perfeição à ação da polícia, prendendo bandidos que logo conseguem a liberdade
concedida por magistrados que justificam a determinação dizendo-se obedientes à
lei, e atentos à necessidade de assegurar a plenitude dos direitos humanos.
Então, a polícia prende e a Justiça
solta, algo assim tão inútil, comparável ao tempo perdido de quem tenta enxugar
gelo.
Há um influente magistrado sergipano que concorda com o que dizem os policiais, e se diz também
descontente com o ¨enxugamento de gelo¨
que poderá ser transformado numa perigosa apatia do organismo policial,
desestimulado com a sensação de
impotência e inutilidade. Claro que o magistrado não estaria a imaginar, muito
menos a sugerir, que a lei fosse desconsiderada, que os direitos humanos,
conquista das sociedades civilizadas, fossem minimizados, mas acredita que,
quando se prioriza o interesse social, há maneiras de obedecer à lei,
considerar os direitos humanos, sem que
por questões de prazos ou formalidades outras, meramente burocráticas, se conceda liberdade a
indivíduos comprovadamente perigosos. Soltos,
eles assaltam, matam, estupram. E isso não seria um acinte aos direitos
humanos , de toda a sociedade que deles é vítima?
Lembra-se, aqui, um
episódio corrido nos anos 50, e que não seja tomado como exemplo para atormentar
a vida de alguma autoridade que tenha determinado a soltura de meliantes
capazes de cometer atrocidades.
Havia, no arredores de Aracaju, uma espécie de ¨campo de concentração ¨ chamado Invernada.
Para ele eram mandados sem a formalidade dos inquéritos, muito menos de
processos, indivíduos reincidentes no crime. Desde punguistas a assaltantes e
toda aquela fauna de elementos suspeitos, presos por ¨vadiagem ¨ . Estar sem carteira assinada no
bolso, vagando em lugares suspeitos, era crime. Na Invernada havia, em média, uns 40 presos. Quando chegavam, a recepção
consistia na raspagem do cabelo, depois,
tinham a cabeça pintada a piche, um liquido escuro, pegajoso, fedorento,
que nunca desgrudava, até porque não havia banho. Todos recebiam um calção e
uma enxada, e eram postos a plantar mandioca para ser usada numa casa de
farinha. Ali passavam meses, ou até anos, sempre sob as ordens severas do
Tenente Fróes, comandante da Invernada,
que aplicava castigos físicos impensáveis, como o
de sapatear no forno quente durante as farinhadas.
Assaltos e roubos eram raríssimos na acanhada Aracaju dos
anos 40 e 50. O zeloso e correto único Procurador da República em Sergipe, Osman Hora Fontes, entrou em férias e
deixou quase concluída uma ação que
pretendia levar à Justiça denunciando a flagrante inconstitucionalidade do ¨ estabelecimento penal ¨. Ele era sempre substituído pelo
Promotor de Justiça Paulo Costa, que integrava também o Conselho Penitenciário,
e, no Sergipe- Jornal, do qual era
diretor, diversas vezes denunciara a ilegalidade da Invernada. Ele concluiu a
ação, e pouco depois a Justiça Federal determinava que a Invernada fosse
fechada. O governador Luiz Garcia estava na capital federal, o Rio de Janeiro,
e o vice, Dionisio Machado, no governo. Ele obedeceu à ordem, mas a policia
poderia ter aberto imediatamente inquéritos e transferido para a Penitenciária,
de forma legal, os meliantes que ¨invernavam ¨. Foram todos para as ruas e houve uma onda
de assaltos na pacata Aracaju. Dionisio Machado, um homem simples, cordato e
inteligente, foi à radio Liberdade
explicar que a Justiça determinara o fechamento da Invernada e ele nada poderia
fazer. Sugeriu, então, que as pessoas vítimas dos bandidos soltos, telefonassem para a casa do promotor Paulo
Costa e
deu o número do telefone, no ar.Existiam pouco mais de mil telefones na
cidade, e eram todos de manivela, com a interferência de telefonistas que intermediavam as ligações. Apesar disso,
na casa do promotor choveram telefonemas. E ele
gastou muito tempo para explicar o motivo da decisão que tomara quase
sempre sem conseguir convencer quem estava do outro lado da linha, revoltado.
Entre o ¨ enxugamento
de gelo ¨ causado por decisões muitas vezes intempestivas, e a existência de um
absurdo local de suplícios, há sempre o meio termo da razoabilidade que deve
ser buscado em quaisquer circunstancias. Sem ferir direitos humanos e sem
deixar a sociedade a mercê de bandidos postos nas ruas.
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