sexta-feira, 5 de junho de 2015

A POLÍCIA ENXUGANDO GELO



A POLÍCIA ENXUGANDO GELO
¨ Estamos a enxugar gelo ¨.  Esta é uma frase repetida agora  pelos policiais sergipanos, tanto os militares como os civis .  A metáfora se aplica com perfeição à ação da polícia, prendendo bandidos que logo conseguem a liberdade concedida por magistrados que justificam a determinação dizendo-se obedientes à lei, e atentos à necessidade de assegurar a plenitude dos direitos humanos. Então, a polícia prende e  a Justiça solta, algo assim tão inútil, comparável ao tempo perdido de quem tenta enxugar gelo.
Há um influente magistrado sergipano que  concorda com o  que dizem os policiais, e se diz também descontente com o ¨enxugamento  de gelo¨ que poderá ser transformado numa perigosa apatia do organismo policial, desestimulado  com a sensação de impotência e inutilidade. Claro que o magistrado não estaria a imaginar, muito menos a sugerir, que a lei fosse desconsiderada, que os direitos humanos, conquista das sociedades civilizadas, fossem minimizados, mas acredita que, quando se prioriza o interesse social, há maneiras de obedecer à lei, considerar os direitos humanos, sem que  por questões de prazos ou formalidades outras, meramente  burocráticas, se conceda liberdade a indivíduos comprovadamente perigosos. Soltos,  eles assaltam, matam, estupram. E isso não seria um acinte aos direitos humanos , de toda a sociedade que deles é vítima? 
  Lembra-se, aqui, um episódio corrido nos anos 50, e que não seja tomado como exemplo para atormentar a vida de alguma autoridade que tenha determinado a soltura de meliantes capazes de cometer atrocidades.
Havia, no arredores de Aracaju, uma espécie de  ¨campo de concentração ¨ chamado Invernada. Para ele eram mandados sem a formalidade dos inquéritos, muito menos de processos, indivíduos reincidentes no crime. Desde punguistas a assaltantes e toda aquela fauna de elementos suspeitos, presos por  ¨vadiagem ¨ . Estar sem carteira assinada no bolso, vagando em lugares suspeitos, era crime. Na Invernada havia, em média,  uns 40 presos. Quando chegavam, a recepção consistia na raspagem do cabelo, depois,  tinham a cabeça pintada a piche, um liquido escuro, pegajoso, fedorento, que nunca desgrudava, até porque não havia banho. Todos recebiam um calção e uma enxada, e eram postos a plantar mandioca para ser usada numa casa de farinha. Ali passavam meses, ou até anos, sempre sob as ordens severas do Tenente Fróes,  comandante da Invernada, que   aplicava castigos físicos impensáveis, como o de sapatear no forno quente durante as  farinhadas.
Assaltos e roubos eram raríssimos na acanhada Aracaju dos anos 40 e 50. O zeloso e correto único Procurador da República em Sergipe,  Osman Hora Fontes, entrou em férias e deixou  quase concluída uma ação que pretendia levar à Justiça denunciando a flagrante inconstitucionalidade do   ¨ estabelecimento  penal ¨. Ele era sempre substituído pelo Promotor de Justiça Paulo Costa, que integrava também o Conselho Penitenciário, e, no  Sergipe- Jornal, do qual era diretor, diversas vezes denunciara a ilegalidade da Invernada. Ele concluiu a ação, e pouco depois a Justiça Federal determinava que a Invernada fosse fechada. O governador Luiz Garcia estava na capital federal, o Rio de Janeiro, e o vice, Dionisio Machado, no governo. Ele obedeceu à ordem, mas a policia poderia ter aberto imediatamente inquéritos e transferido para a Penitenciária, de forma legal, os meliantes que  ¨invernavam  ¨. Foram todos para as ruas e houve uma onda de assaltos na pacata Aracaju. Dionisio Machado, um homem simples, cordato e inteligente, foi  à radio Liberdade explicar que a Justiça determinara o fechamento da Invernada e ele nada poderia fazer. Sugeriu, então, que as pessoas vítimas dos bandidos soltos,  telefonassem para a casa do promotor Paulo Costa  e  deu o número do telefone, no ar.Existiam pouco mais de mil telefones na cidade, e eram todos de manivela, com a interferência de telefonistas  que intermediavam as ligações. Apesar disso, na casa do promotor choveram telefonemas. E ele  gastou muito tempo para explicar o motivo da decisão que tomara quase sempre sem conseguir convencer quem estava do outro lado da linha, revoltado.
 Entre o ¨ enxugamento de gelo ¨ causado por decisões muitas vezes intempestivas, e a existência de um absurdo local de suplícios, há sempre o meio termo da razoabilidade que deve ser buscado em quaisquer circunstancias. Sem ferir direitos humanos e sem deixar a sociedade a mercê de bandidos postos nas ruas.

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