segunda-feira, 23 de março de 2015

CENAS DA DITADURA PARA QUEM NÃO A CONHECEU E A DESEJA DE VOLTA ( 1)



CENAS DA DITADURA PARA QUEM NÃO
 A CONHECEU E A  DESEJA DE  VOLTA ( 1)
 Quem leva nas manifestações de  rua uma faixa pedindo   ¨Intervenção militar ¨
com  saudade da ditadura,   certamente não a conheceu. São jovens, e nessa virada de março para abril, faz 52 anos que ela, a dita cuja, começou , desaparecendo após 21 anos.
Quem pede  a volta da ditadura certamente imagina que um regime  de força, seria o ideal para por ordem no país, levar para a cadeia corruptos,e evitar as bandalheiras patrocinadas pelos políticos.
Ficarão     frustradas essas novas ¨vivandeiras  ¨*,  descobrindo que, durante a última e quiçá derradeira ditadura que nos fustigou, nem mesmo  disciplina e  hierarquia  havia nos quartéis.
 A partir de abril de 64,  houve  entre os militares uma situação explícita ou latente de anarquia, somente contida quando o general presidente Geisel exonerou  o Ministro do Exército   Sílvio Frota,  em 1976.    O general queria suceder Geisel na presidência,  sem descartar a hipótese de um golpe levado a efeito pela    ultra-radical   ¨linha  dura ¨. Castelo Branco, o primeiro dos generais presidentes, quase foi deposto pela Vila Militar, numa rebelião contida pelo seu Ministro do Exército Costa e Silva , que a sufocou,  mas, com o compromisso de tornar-se presidente. Por sua vez, Costa e Silva   se viu obrigado a assinar o Ato Institucional nº 5,  e o poder foi fragmentado entre os generais , coronéis,  e até ousados oficiais de baixa patente.
    Num  clima de rebelião  se fez a escolha do general Médici para substituir o enfermo Costa e Silva,  afastando-se o decorativo vice-presidente civil, Pedro Aleixo.
 O aparelho repressor,  torturando e matando, agia  como corpo independente do poder central, e não lhe prestava contas.
Com a férrea censura sobre os meios de comunicação,  as crises militares geradas pela disputa do poder grassavam nos quartéis , mas não eram noticiadas.                                 
A mordaça impondo o silêncio,  gerava uma falsa sensação de estabilidade e ordem.
  Dos quartéis saíram  os  militares para a execução dos  serviços sujos. Explodiram bombas na OAB, na ABI, nas bancas de jornais.  Não fosse uma bomba relógio desastradamente detonada  dentro  do automóvel onde estavam  dois militares do exército que iriam cometer um ato de terrorismo, haveria  uma matança no Rio Centro, quando ali se realizava um festival de música. O tresloucado brigadeiro Burnier,  causaria milhares de mortes e destruiria uma parte do Rio de Janeiro, caso um subordinado seu, o capitão aviador Sérgio Macaco, não houvesse descumprido a ordem de explodir um gasoduto. O capitão Sérgio foi preso e expulso da Aeronáutica, apesar de ter sido defendido pelo patrono da FAB, o marechal do ar Eduardo Gomes.
Aqui em Aracaju,  na noite que seria longa de primeiro de abril de 64, na redação da Gazeta de Sergipe esperava-se a qualquer hora a chegada dos militares.  Eles  jogariam as máquinas na maré, como alguns radicais inimigos do jornalista Orlando Dantas  desejavam.
Chega o major Raul. Vestia farda de campanha rodeado por  soldados  armados. O oficial  tresandava  cachaça,  sua bebida predileta , e consumida com sofreguidão. Alto, rosto sanguíneo, fala entrecortada pelas pausadas hesitações de um bêbado,  o major aproxima-se da mesa onde  dedilhava a máquina de escrever o jornalista Ivan Valença, e dá a ordem lentamente explicada: ¨Escreva  aí a manchete de amanhã:¨O Brasil derrotou a União Soviética com o sangue e o suor dos seus filhos ¨.                                                                                                                                    Ivan, disfarçando a ironia, apenas perguntou: ¨ Houve guerra major ¨?
 E logo ouviu uma  trovejante resposta: ¨ Houve,  só não sabe disso quem é comunista. ¨
 O regime militar que se instalava a pretexto de combater a subversão e a  desordem, tolerou,  nos quartéis, o desmonte da hierarquia.
No  28 º BC  em Aracaju, um  tenente atropelava o major que  estava no comando. Começava o  seu tempo de Vice-Rei de Sergipe. Era o tenente Rabelo. Ex-militante da Ação Integralista, ele,  sargento, paradoxalmente fora combater o fascismo na Itália,  engajando-se no segundo escalão da Força Expedicionária Brasileira. Tornou-se encarregado do alojamento do coronel Castelo Branco, oficial de estado maior do general Mascarenhas, comandante da FEB.
Sendo o mais antigo oficial no  28 º BC, o tenente, que não cursou as Agulhas Negras,  dizia que    ¨antiguidade  é posto ¨,   além disso, ele era  amigo do       já presidente Castelo . Rabelo tornou-se , de fato, o comandante  do batalhão, e a maior autoridade  ¨revolucionária em Sergipe ¨. Prendia, soltava, mandava, desmandava, demitia.     À frente da mesa onde se instalou,   passavam, desde brigas de marido e mulher, roubo de galinha, até problemas  dos 3 Poderes. Chegavam diante do tenente,  a bater-lhe  bajuladoras continências,   , juízes, promotores, desembargadores,  deputados, vereadores, prefeitos, empresários, jornalistas, líderes sindicais, religiosos, convocados por ele, ou, indo sebosamente oferecer-lhe os préstimos.
Preocupado com  a arrogância do tenente, o governador Celso de Carvalho  teve de valer-se do presidente Castelo Branco.     Apressou a vinda  para Aracaju do coronel Tércio Veras,  a fim de  comandar o 28º e tornar-se a autoridade revolucionária   de patente    compatível com o grau elevado    de autoritarismo    que iria exercer ( Continua )                                                                                                                                        * Vivandeiras são aquela mulheres que seguem as tropas em deslocamento. Castelo Branco, em 1966 usou o termo para definir os militares ou civis que batiam às portas dos quartéis sugerindo o golpe.  

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