CENAS DA DITADURA PARA QUEM NÃO
A CONHECEU E A DESEJA DE
VOLTA ( 1)
Quem leva nas
manifestações de rua uma faixa pedindo ¨Intervenção militar ¨
com saudade da
ditadura, certamente não a conheceu. São jovens, e nessa
virada de março para abril, faz 52 anos que ela, a dita cuja, começou ,
desaparecendo após 21 anos.
Quem pede a volta da
ditadura certamente imagina que um regime de força, seria o ideal para por ordem no
país, levar para a cadeia corruptos,e evitar as bandalheiras patrocinadas pelos
políticos.
Ficarão frustradas essas novas ¨vivandeiras ¨*,
descobrindo que, durante a última e quiçá derradeira ditadura que nos
fustigou, nem mesmo disciplina e hierarquia
havia nos quartéis.
A partir de abril de 64,
houve
entre os militares uma situação explícita ou latente de anarquia,
somente contida quando o general presidente Geisel exonerou o Ministro do Exército Sílvio
Frota, em 1976. O general queria suceder Geisel na
presidência, sem descartar a hipótese de
um golpe levado a efeito pela ultra-radical ¨linha
dura ¨. Castelo Branco, o primeiro dos generais presidentes, quase foi
deposto pela Vila Militar, numa rebelião contida pelo seu Ministro do Exército
Costa e Silva , que a sufocou, mas, com
o compromisso de tornar-se presidente. Por sua vez, Costa e Silva se viu obrigado a assinar o Ato Institucional
nº 5, e o poder foi fragmentado entre os
generais , coronéis, e até ousados
oficiais de baixa patente.
Num clima de rebelião se fez a escolha do general Médici para
substituir o enfermo Costa e Silva, afastando-se o decorativo vice-presidente
civil, Pedro Aleixo.
O aparelho repressor, torturando e matando, agia como corpo independente do poder central, e
não lhe prestava contas.
Com a férrea censura sobre os meios de comunicação, as crises militares geradas pela disputa do
poder grassavam nos quartéis , mas não eram noticiadas.
A mordaça impondo o silêncio, gerava uma falsa sensação de estabilidade e
ordem.
Dos quartéis
saíram os militares para a execução dos serviços sujos. Explodiram bombas na OAB, na
ABI, nas bancas de jornais. Não fosse
uma bomba relógio desastradamente detonada
dentro do automóvel onde
estavam dois militares do exército que
iriam cometer um ato de terrorismo, haveria uma matança no Rio Centro, quando ali se
realizava um festival de música. O tresloucado brigadeiro Burnier, causaria milhares de mortes e destruiria uma
parte do Rio de Janeiro, caso um subordinado seu, o capitão aviador Sérgio
Macaco, não houvesse descumprido a ordem de explodir um gasoduto. O capitão
Sérgio foi preso e expulso da Aeronáutica, apesar de ter sido defendido pelo
patrono da FAB, o marechal do ar Eduardo Gomes.
Aqui em Aracaju, na
noite que seria longa de primeiro de abril de 64, na redação da Gazeta de
Sergipe esperava-se a qualquer hora a chegada dos militares. Eles
jogariam as máquinas na maré, como alguns radicais inimigos do
jornalista Orlando Dantas desejavam.
Chega o major Raul. Vestia farda de campanha rodeado por soldados
armados. O oficial tresandava cachaça, sua bebida predileta , e consumida com
sofreguidão. Alto, rosto sanguíneo, fala entrecortada pelas pausadas hesitações
de um bêbado, o major aproxima-se da
mesa onde dedilhava a máquina de
escrever o jornalista Ivan Valença, e dá a ordem lentamente explicada: ¨Escreva
aí a manchete de amanhã:¨O Brasil
derrotou a União Soviética com o sangue e o suor dos seus filhos ¨. Ivan, disfarçando
a ironia, apenas perguntou: ¨ Houve guerra major ¨?
E logo ouviu uma trovejante resposta: ¨ Houve, só não sabe disso quem é comunista. ¨
O regime militar que
se instalava a pretexto de combater a subversão e a desordem, tolerou, nos quartéis, o desmonte da hierarquia.
No 28 º BC em Aracaju, um
tenente atropelava o major que estava no comando. Começava o seu tempo de Vice-Rei de Sergipe. Era o
tenente Rabelo. Ex-militante da Ação Integralista, ele, sargento, paradoxalmente fora combater o
fascismo na Itália, engajando-se no
segundo escalão da Força Expedicionária Brasileira. Tornou-se encarregado do
alojamento do coronel Castelo Branco, oficial de estado maior do general
Mascarenhas, comandante da FEB.
Sendo o mais antigo oficial no 28 º BC, o tenente, que não cursou as Agulhas
Negras, dizia que ¨antiguidade é posto ¨,
além disso, ele era amigo do já
presidente Castelo . Rabelo tornou-se , de fato, o comandante do batalhão, e a maior autoridade ¨revolucionária em Sergipe ¨. Prendia,
soltava, mandava, desmandava, demitia. À frente
da mesa onde se instalou, passavam,
desde brigas de marido e mulher, roubo de galinha, até problemas dos 3 Poderes. Chegavam diante do tenente, a bater-lhe
bajuladoras continências, , juízes, promotores, desembargadores, deputados, vereadores, prefeitos, empresários,
jornalistas, líderes sindicais, religiosos, convocados por ele, ou, indo
sebosamente oferecer-lhe os préstimos.
Preocupado com a arrogância do tenente, o governador Celso de
Carvalho teve de valer-se do presidente
Castelo Branco. Apressou
a vinda para Aracaju do coronel Tércio
Veras, a fim de comandar o 28º e tornar-se a autoridade
revolucionária de patente compatível com o grau elevado de autoritarismo que iria exercer ( Continua ) *
Vivandeiras são aquela mulheres que seguem as tropas em deslocamento. Castelo
Branco, em 1966 usou o termo para definir os militares ou civis que batiam às
portas dos quartéis sugerindo o golpe.
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