DECLARAÇÃO ANTECIPADA DE VOTO
No primeiro turno fiz uma declaração de voto publicada nestas
páginas no dia da eleição. Era a minha opção por Jackson e os motivos que me
levavam a adotá-la. Agora, faço esta nova declaração, todavia, com antecipação de oito dias.
Vamos aos motivos do
voto.
Em 1955 concluindo o curso ginasial no Atheneu fui, motivado por meu pai, Paulo Costa,
assistir uma palestra que o governador de Minas Gerais Juscelino
Kubitscheck fazia no recém inaugurado
auditório anexo ao colégio. Ele queria ser candidato a presidente e precisava
conquistar, primeiro, o apoio dos
partidos políticos, principalmente o seu, o PSD. Saí fascinado com aquele
político que desenhava o seu projeto para transformar o Brasil, país naquela época com cerca de 50 milhões de
habitantes, despovoado na maioria da sua extensão, sem estradas, quase sem indústria, dependendo das exportações do café para equilibrar a
deficitária balança de pagamentos. A
esse Brasil rural, Juscelino prometia uma revolução: Iria fazê-lo crescer 50 anos em 5, o período naquele tempo do
mandato presidencial. E ele detalhava com entusiasmo e clareza tudo o que
deveria ser feito.
No dia da eleição , aos 14 anos, sem poder votar, sai fazendo
boca de urna, um tanto desajeitado a
pedir votos para aquele mineiro.
Juscelino foi eleito com pouco mais de um terço dos votos computados. Isso foi
o pretexto para que golpistas civis e militares se insurgissem contra o
resultado do pleito, alegando que não estava representada a maioria da nação, e o vencedor não teria
legitimidade. Mas as regras eram aquelas, não havia segundo turno , Juscelino
estava inquestionavelmente eleito. Carlos Lacerda, o mais estrídulo líder do
golpismo, dissera: ¨Juscelino não pode ser candidato, se candidato não pode ser
eleito, se eleito não poderá tomar posse, se empossado terá de ser deposto¨.
De fato, para que JK fosse empossado foi preciso um providencial general legalista, Teixeira
Lott, colocando os tanques na rua para garantir a posse do eleito. Foi, pelo
que se sabe, o único golpe
¨constitucionalista¨ ocorrido no Brasil.
Durante o governo, Juscelino teria de enfrentar duas mazorcas promovidas por oficiais da
Aeronáutica que se definiam como patriotas e idealistas indignados com a
corrupção.
JK, ao som da bossa-nova, ao cabo de cinco anos retirou o
Brasil do marasmo e criou a mística do desenvolvimentismo.
O candidato à sua sucessão foi o general que
lhe dera suporte militar para que
pudesse iniciar e concluir o seu criativo e transformador mandato , seu Ministro
da Guerra Henrique Duffles Batista Teixeira Lott, um oficial que insistia em
manter a caserna longe da política partidária e que aceitou quase constrangido
a candidatura. Era um homem moralmente inatacável. Seu opositor foi Jânio da
Silva Quadros, político histriônico,excelente orador, que ganhara a fama de bom
administrador e de inimigo da corrupção. Contra Juscelino, sem poderem desfazer
a sua excepcional obra administrativa, lhe puseram a pecha de corrupto. Os que haviam denunciado o ¨mar de lama¨ no Palácio
do Catete e levaram Getúlio Vargas ao suicídio, depois de temporariamente
derrotados, reorganizaram-se, e logo transformaram Jânio no cavaleiro andante
da cruzada moralista que ganhou espaço na grande imprensa. Jornais como O
Globo, e o Estado de S. Paulo, ajudavam
a aumentar a histeria moralisteira, enquanto Jânio exibia uma vassoura que se
transformou em símbolo da sua campanha, e surgiu a musiquinha entoada em todo o país:
Varre varre
vassourinha
Varre varre a bandalheira
O povo está
cansado, de sofrer dessa maneira
Jânio Quadros é a
esperança de um povo abandonado.
Janio Quadros é a certeza de um país
moralizado.
Jânio eleito presidente continuou afundado nas garrafas de
uísque, e renunciou sete meses depois denunciando a pressão de forças ocultas.
O Brasil escapou de uma guerra civil quase desencadeada pela irresponsabilidade
do moralista homem da vassoura. Trinta anos
depois, quando Janio faleceu, numa disputa
dos herdeiros pelo espólio,
revelou-se que ele tinha uma vistosa conta secreta na Suiça.
Uma observação: O jornal O Globo criou em 1960
a expressão O Homem da Vassoura , para associá-la
à idéia de limpeza moral que faria
Jânio, mais recentemente, a Rede Globo transformava Collor no ¨caçador
de marajás¨.
Outra observação: Juscelino morreu sem deixar grande patrimônio e o seu mais
acérrimo critico, Carlos Lacerda ,sobre ele escreveu um artigo que lhe valeria
como o mais justo dos epitáfios.
A história se repete, e agora assistimos a uma nova cruzada
moralista liderada por um jovem e trêfego candidato, que recebe na sua campanha o suporte
ostensivo da grande mídia, da qual fazem parte, entre outros inúmeros
veículos,o maior império de chantagem já montado no Brasil: a Rede Globo dos bilionários irmãos Marinho; o Estadão, trincheira decadente da soberba
quatrocentona da família Mesquita; da Veja, braço da máfia e de todos os interesses
escusos e antibrasileiros; somando-se agora ao palanque midiático a publicação
inglesa The Economist, que exalta as
virtudes de Aécio, hoje o menino de ouro
do cassino financeiro globalizado, com os tentáculos prontos para agirem
com mais liberdade no Brasil.
A idade que tenho permitiu-me transitar como espectador
minimamente atento aos episódios da
política brasileira, desde a libido insaciada das mulheres com terços nas mãos
a pedir a vitória do Brigadeiro Eduardo Gomes, um extremado moralista, depois,
as mesmas mulheres ainda talvez mal amadas, que ouviam Carlos Lacerda em êxtase
quase orgástico quando ele denunciava corruptos, em seguida, homens e mulheres
retirando anéis , pulseiras e colares para doá-los, respondendo ao apelo da
campanha Ouro para o Bem do Brasil, quando civis e militares, também
¨moralistas ¨, deram o golpe de 64, e
era preciso criar a idéia de que o Bem do Brasil chegaria impulsionado pelas
baionetas.
O moralismo salvacionista percorreu, sem nenhum sucesso,
todas as etapas da história política brasileira, e por fim, a farsa sempre
acabou sendo revelada. Assistí todas as manifestações desses espasmos
moralistas, para ter ,quando eles reincidem como agora, uma visão que não chega
a ser cínica, mas é de absoluto desprezo aos moralizadores de ocasião.
Se o candidato Aécio resolvesse espanar o pó, o pó dos
arquivos do seu avô Tancredo Neves, iria constatar que o experiente mestre da
grande política, jamais se deixou envolver por essas cruzadas de moralismo, mas,
sempre se bateu pela democracia, pelas
liberdades, pela participação popular, um conjunto de coisas que, quando
conquistadas, começam efetivamente a sanear a sociedade, a moralizar o Estado e
as suas instituições. Com essas armas combate-se com muito mais eficácia do que
esses surtos de moralismo eleitoreiro, delitos assim, como os que foram
praticados pela quadrilha da Petrobrás, que está em parte na cadeia, e o resto
dela somente tomará o mesmo rumo se os
instrumentos da democracia forem
fortalecidos com a participação popular.
A revolução de 30 não conseguiu sepultar a farsa do liberalismo excludente, uma forma
de exaltar a liberdade, todavia relativa, acessível aos que possuam, e de
manter distantes os despossuídos. O liberalismo brasileiro foi um diversionismo
das elites para ocultar as mazelas sociais, a fome, o desamparo do povo.
Governos intitulados liberais logo mostram a carantonha fascista quando os
limites onde concebem circunscrever o povo são ultrapassados, e ai recorrem ao cacete. Haja vista ao que acontece em São Paulo.
Então, o moralismo surge como máscara. O que querem mesmo essas elites
brasileiras inconformadas com a ascensão do povo que se fez nos governos de
Lula e Dilma, é parar esse processo ,
retirar as massas do cenário e restabelecer
a paisagem antiga da democracia para poucos.
Pela continuidade da reforma agrária, pela continuidade do
salário mínimo aumentando, pela continuidade de programas sociais, como o
Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida,
Luz Para Todos, Água para Todos; pela continuidade da democratização da
universidade, do ensino técnico; pela continuidade da tentativa de adequar o
agronegócio aos padrões ecológicos; pela continuidade do processo de ampliação
da democracia participativa; pela continuidade do fortalecimento da agricultura
familiar; pela continuidade do Brasil
atuando com independência no plano internacional; pela continuidade da política melhor avaliada pela ONU de
redução da pobreza; pela continuidade de uma marcha ainda tímida e que precisa
ser fortalecida, rumo a uma economia livre das interferências desastrosas do
mercado ou prostíbulo financeiro global,
com o Estado planejando , sendo indutor da economia e criando um capitalismo
socialmente responsável; pela continuidade disso tudo que representa um capítulo
importante na luta pela dignidade do povo brasileiro, aos 73 anos não farei
mais a boca de urna que fiz por
Juscelino , mas, com a mesma decisão
como votei em Jackson por confiar no que ele representa e ter consciência plena do que não representava o outro, vou, domingo
próximo, votar em Dilma, pelo que ela representa e contra a mistificação do outro, mantendo ,
através do meu já voluntário voto tudo
em que acreditava quando tinha 14,
quando, com muita esperança,
ansiava por votar.
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