terça-feira, 3 de dezembro de 2013

NOTÍCIAS DE MANGUE SECO ( 2 )



NOTÍCIAS DE MANGUE SECO  ( 2 )

Quando, no final dos anos cinquenta,   Robson dos Anjos começou a organizar diminutas caravanas de sergipanos que ousavam atravessar o Atlântico nos asas da Panair e iam conhecer a Europa,  os grupos eram sempre  formados por  comerciantes, médicos,  advogados, juízes, um ou outro engenheiro, e raríssimos professores. Depois do giro europeu acessível apenas a uma faixa restrita da população, havia um traço comum no comportamento dos  que retornavam: Eram todos   deslumbrados com o nível de civilização alcançado pela sociedade europeia. Durante meses e meses  ficavam a falar sobre as maravilhas  do Velho Continente,  ainda sarando as horrorosas feridas deixadas pela Segunda Guerra Mundial, que acabara há pouco mais de 10 anos. Os intelectualizados eram convidados a fazer palestras,  nas escolas, nos sindicatos, nos clubes de serviço.  Alguns,   escreviam artigos nos jornais ou  publicavam livros sobre a viagem.
Das impressões recolhidas e contadas pelos turistas pioneiros,  uma   ficou gravada mais intensamente na memória dos que ouviam os relatos, e  até chegou a se transformar  em virtuoso exemplo de cidadania perfeita.  Sempre num tom desdenhoso  na comparação que faziam   entre Europa   e Brasil, as    pessoas   que  ouviram   ou   leram as   narrativas dos 
¨descobridores ¨   se transformavam em entusiasmados propagandistas  da vida virtuosa dos  europeus, e, depois de  saírem exaltando a honestidade dos ¨gringos ¨   perguntavam descrentes : ¨ Quando, aqui neste nosso Brasil, uma banca de  revistas poderá expor jornais  para que as pessoas os escolham, e, depois, deixem numa caixinha o dinheiro correspondente ao valor da compra ?¨ Logo ouviam a resposta  que  equivalia a uma peremptória condenação:  ¨Nunca. Nós somos um país de ladrões.  Temos a herança maldita dos   criminosos degredados que Portugal mandou para  povoar a terra recém descoberta no fim do mundo ¨.
O exemplo da venda de jornais sem a necessidade de vendedores, era coisa limitada a algumas pequenas cidades  da Suiça e Alemanha, mas, foi entendido como se fosse um comportamento  usual, abrangente, adotado  também em lojas, mercearias , farmácias,  ¨coisa de primeiro mundo ¨ como hoje repetimos, desdenhosos de nós mesmos, e sempre  prontos a  exaltar  sucessos alheios.  
Domingo,  dia 17 de novembro, restavam em Mangue Seco alguns poucos turistas que espichavam ainda mais o alongado feriado. No amplo quadrilátero de areia que é a ¨plaza mayor ¨ do povoado, passeavam alguns casais e pequenos grupos.  A iluminação fraca deixava  imponente a lua , e o luar espraiado até poderia ser chamado de lânguido, a aumentar a calmaria dolente  de um  fim de semana  praianamente preguiçoso.
 Da igrejinha  onde ficam  as marcas  do improviso prático de construtores nativos, saiam cânticos e orações entremeadas de aplausos, quando o padre anunciava o nome de crianças vencedoras de um  concurso sobre o catecismo. Do  lado oposto uma lojinha era, além da igreja,  os dois únicos locais bem iluminados.   Uma lojinha de artesanato,    com o nome  presunçoso de  Shopping  Mangue Seco.  No ¨Shopping ¨passeavam turistas, andavam de um lado para outro,  manuseavam as peças de artesanato, mexiam em tudo, mas, não havia um só vendedor. Aliás, o vendedor único era o próprio dono, mas àquela hora,  ele,  como costumava fazer quando se ausentava, deixou a loja aberta e foi à missa. ( Continua no próximo domingo )

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