quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

MARCELO DÉDA, OU A NOBREZA DA POLÍTICA ( 2 ) OS DOIS TRIBUNOS



MARCELO DÉDA, OU A NOBREZA DA POLÍTICA ( 2 )
OS DOIS TRIBUNOS
De homens se fazem biografias. Hagiografias são reservadas aos santos.
Mergulhados no mundo real, homens transitam entre virtudes e defeitos, essa, é a vida comum das pessoas. No caso das pessoas incomuns, ainda mais quando são personalidades do cenário político, defeitos sempre afloram mais do que virtudes. Marcelo Déda foi pessoa incomum, uma dessas personalidades que fogem ao trivial , se destacam, impõem-se pela presença rodeada de carisma, fascinam pela inteligência, a erudição , a forma precisa e convincente como se expressam. No século das luzes, em qualquer salão parisiense, ele seria um daqueles precursores da modernidade, dotados de magnetismo pessoal, logo alçados ao pedestal das celebridades , imprescindíveis, onde se discutissem ideias, onde se imaginasse uma sociedade menos imperfeita.
Aqueles que no futuro se interessarem pela vida de um político sergipano chamado Marcelo Déda, certamente ficarão entusiasmados com o que irão descobrindo. Constatarão, de saída, que ele foi a estrela do seu tempo, e se sentirão desafiados para a aventura intelectual que será biografar personalidade tão fascinante.
Estamos ainda no calor da hora, as cinzas do homem nem sequer esfriaram.
Avaliações, ou, mais ainda, julgamentos sobre personalidades públicas, contraditoriamente, requerem mais a lembrança do que o testemunho vivo da presença. É preciso tempo para que a emoção se dissolva. No caso de Déda, a comoção da morte, assim, de forma tão abrupta aos 53 anos, e após longo padecimento, se faz mais forte, e o derramar de lágrimas, num raro sentimento coletivo de perda, confunde-se também com piedade, sem duvidas, gesto nobre, mas, ultrapassada a circunstancia, a piedade se desfaz e a imagem exata começa a cristalizar-se. No momento, tudo o que se disser terá um laivo inevitável daquele tom de hagiografia.
Único governador de Sergipe na fase republicana a falecer no exercício do mandato, Déda aproxima-se da tragédia de Fausto Cardoso. Ambos , excepcionais tribunos. De Fausto, apenas imagina-se o que foi a sua eloquência. Dos fulgurantes improvisos dele, são conhecidos somente os pronunciados na Câmara Federal, que eram taquigrafados. Aqueles, nas ruas, praças e salões da pequenina cidade, que era, no começo do século passado a capital de Sergipe, ficaram na memoria dos que os ouviram. E a fama do tribuno foi passando de geração a geração. Déda deixa discursos, imagens, suas incursões nas redes sociais, reproduzidos, gravados, na parafernália imensa das multimídias. A imagem e a voz ficam para o futuro.
Homens de épocas diferentes, Déda e Fausto tinham em comum o inconformismo, a rebeldia e o sonho, a vontade de fazer, de transformar estruturas sociais. Políticos, eram também intelectuais e poetas, e sobretudo tribunos. Fausto desafiou os fuzis da opressão e caiu ferido em praça pública. A Velha República prosseguiu com suas mazelas, suas práticas anacrônicas que afrontavam a lucidez, e o grito de Fausto materializou-se, poeticamente, nas rosas vermelhas que os sergipanos começaram a cultivar em seus jardins, e que mulheres e homens exibiam orgulhosa e desafiadoramente ao peito. Eram as rosas Fausto Cardoso.
Fausto sacrificou-se por Sergipe e pelas suas ideias.
Marcelo Déda, de certa forma também, com o heroísmo no exemplo de luta contra o câncer.
No exemplo ainda, de sacrifício do tempo que lhe restava, quando, desprezando o mando dos médicos, reassumiu o governo, cônscio de que caberia a ele a última batalha , aquela maratona derradeira na qual ainda mais se exauriu. Era a busca de um martirizado consenso para que fosse aprovado o PROINVESTE, recursos que carreiristas da má política, presos à mesquinhez do imediatismo eleitoreiro queriam negar a Sergipe. Déda sabia, ele mesmo não teria tempo de aplicá-los, mas, esses recursos seriam fundamentais para o futuro de Sergipe.
Um instigante roteiro a ser seguido pelos biógrafos, seria enfocar similitudes entre Déda e Fausto, na busca do retrato mais expressivo dos dois homens, das suas circunstancias e do tempo em que viveram.
Socorrido no instante final, levaram a Fausto um copo d`água, e ele, épico, o sorveu dizendo: ¨Bebo a alma de Sergipe¨.
Déda, despedindo-se, pediu que as suas cinzas viessem adubar a terra sergipana.
Os tribunos tinham mesmo algo em comum.

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