UM DIA A SER GUARDADO NA MEMÓRIA
PARA QUE DELE SE GUARDE DESPREZO
Hoje é dia 31 de março. Faz quarenta e nove
anos, numa noite tensa de expectativas, emissoras de rádio anunciavam a
movimentação de tropas sublevadas do exército e da polícia mineira que tinham
como objetivo o Rio de Janeiro. O governador de Minas, Magalhaes Pinto, um
banqueiro que até poucos dias atrás estava a preconizar reformas na estrutura
social e econômica do país, transformava-se no ¨general civil da revolução
¨título bajulatório para não dizer histriônico, que ele logo iria disputar com
outro pretendente, o belicoso governador da Guanabara, Carlos Lacerda. Naquela
mesma noite, temendo o avanço dos fuzileiros navais do almirante Aragão,
Lacerda entrincheirara-se no seu palácio, protegido pela polícia estadual, e
para aonde acorriam pessoas com lenços azuis ao pescoço , em adesão ao
golpista, e onde se contavam muitos oficiais da reserva da s três Armas.
Começou a batalha da comunicação. No Rio, a Mayrink Veiga, emissora controlada
por Brizola, e a rádio Nacional, faziam contraponto às informações das rádios
mineiras a serviço do golpe. Essa situação se prolongaria madrugada adentro,
atravessaria a manhã do dia primeiro de abril, e findaria com o silencio dos
que se opunham à ruptura da legalidade democrática. O dia 2 de abril começou em
Aracaju com uma cadeia de emissoras, as quatro existentes, Difusora, Jornal,
Liberdade e Cultura, sob o comando de um só locutor designado pelo exército, o
deputado estadual Santos Mendonça, (que em 1968 seria cassado pela violência do
Ato Institucional n 5) anunciando a vitória do golpe, a deposição e prisão do
governador Seixas Dória. Na madrugada já haviam começado as prisões. O comando do 28 BC saíra da atitude de cautelosa
expectativa, e acionado pelo raivoso coronel Humberto Melo, chefe do Estado
Maior da Sexta Região Mi litar em Salvador, invadira o Palácio Olímpio Campos e
cercara as dependências da Rede Ferroviária Leste Brasileiro, onde
trabalhadores e estudantes montavam um simulacro de resistência que se tornara
inútil, quando constatou-se que as armas que estariam guardadas e surgiriam na
hora oportuna, eram apenas fruto da imaginação sonhadora dos revolucionários de
mesa de bar, que logo amargariam a dureza real dos cárceres e das ilusões
perdidas.
Hoje é dia 31 de março de 2013. Faz quase meio
século em que uma geração enfiou no baú do tempo a ficção utópica de um regime
igualitário, cópia idêntica na imaginação, e deformada pelas realidades
diferentes, que se faria da Sierra Maestra em Cuba, ou do Palácio de Inverno em
São Petersburgo, palco inicial do poder bolchevista. As armas, todavia, estavam
do outro lado, e, vencedoras, manteriam um regime espúrio que se prolongou
entre fluxos e refluxos de autoritarismo, até 1985 .
Ano que vem a ¨redentora¨ de 31 de março, ou, se
preferem, de primeiro de abril, fará 50 anos, meio século. Dos dois lados
restam sobreviventes. Do lado que perdeu, para depois, sem armas, felizmente,
dar a volta por cima, os que chegarem até a metade de um século vivos, poderão
dedicar-se a uma instigante garimpagem pelo universo do possível, a fim de
traçar cenários de um Brasil que houvesse escapado do golpe, e continuado
democrático, ou, por outro lado, de um Brasil que houvesse passado pela
experiência de uma esquerda revolucionária no poder.
Teríamos aqui reeditado episódios como o
fuzilamento dos Romanof, o tzar, sua mulher, seus filhos, postos diante de um
pelotão de execução? Teríamos reeditado aquela experiência mais próxima, a da
fortaleza de Havana, onde os ¨inimigos da revolução ¨ foram encostados ao muro
de pedras e crivados de balas após um julgamento popular e sumário?
Se tudo isso houvesse ocorrido, como estariam os
vencedores hoje? Comandando um Brasil igualitário e socialista, ou execrados
como os reles ditadores, que o socialismo real revelou na Europa do Leste,
sepultados, todos, pelas pedras do Muro de Berlim?
Essas perguntas que ficarão sempre sem respostas,
mas que acicatam as dúvidas, servem, pela eterna irresolução do complexo
teorema das paixões humanas, como inspiração e alento, para que se reforce a
crença na democracia, única fórmula válida e real, para os que sonham construir
o mundo, até o mundo novo, sem que seja preciso decepar cabeças, e dar aos cães
vorazes o alimento do sangue humano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário