MÁRIO JORGE UMA MANHÃ DE
SOL E OS ¨PARAISOS ¨ DO POETA
Ele carregava em si a centelha da genialidade. E aqueles que são
privilegiados e torturados por aquela iluminação, costumam ser coerentemente
inconsequentes, ou vice versa. Costumam
descrer, contestar valores, na
sofreguidão criativa de aposentá-los e fazer nascer, no lugar
das convenções impostas e aceitas,
o consenso alcançado pelas
consciências livres. Os inconformados
iluminam o caminho das utopias. Em 1964 havia um menino imberbe, sentindo que
algo de trágico acontecera, rabiscava
cadernos a anunciar o nascer da revolta e do poeta, tatuado pela réstia da centelha que logo iria
crescendo, e lhe incendiaria a mente,
no tempo curto entra a adolescência, a
puberdade, e a juventude exígua até os 27 anos. Naquela manhã de janeiro, bem cedo, e já tão ensolarada, todas as inconsequências e todas as coerências
se juntaram, e ele acelerou o fusca, sempre em direção ao mar e aos horizontes
da Atalaia. Sobre a ponte, o choque, o corpo de quase tísico estendido ao chão
de asfalto. Paulo Barbosa, derramando
lágrimas sobre a bata branca, onde não havia uma só mancha de sangue, outras
pessoas chegando, numa estrada por
aquela época, dos anos setenta, quase
deserta, e alguns perguntando: Quem é esse menino ? . Por que ele morreu assim
? A resposta seria fácil, mas teria de ser precavidamente sussurrada, e
seria esta: -De uma forma ou de outra,
as ditaduras sempre assassinam.
Por ali, naquela hora, passou alguém que ia ao Aeroclube fazer um vôo matinal, sonhando com os ares translúcidos que uma chuva madrugadora lavara. Ajudou
Paulo Barbosa a retirar o corpo da estrada, depois, sobrevoava a ponte. Quase encadeado pelo sol ainda mais forte,
pareceu enxergar o morto adejando por perto, tocando
flauta, saindo dos seus ¨paraísos ¨, e pedindo passagem para ingressar no outro,
com certeza, limpo de alma. Distraiu-se, o piloto, ou deixou-se ficar absorto,
o motor andava a 1500 rotações, era preciso acelerar.
O corpo estirado, morto,
depois, aquela espécie de anjo, ou
querubim, já flutuando e flauteando pelos espaços, era o poeta Mário Jorge. Agora, faz 40 anos que ele morreu. Sua criação instiga os estudiosos, motiva
teses acadêmicas, seu modo de viver, sua trajetória libertária, adorna uma
biografia contemporânea de um tempo que
era triste e ameaçador, mas também, explosiva, irreverente, e , mais ainda, desafiadoramente criativo,
demolidor de valores caducos, inspirador de¨ sacações ¨ que germinavam no tédio
oleoso da opressão e se corporificavam, fosse em Woodstock, nas ruas
de Paris, nas marchas dos cem mil no Rio
de Janeiro, ou nas noite ébrias da Atalaia.
Procurem, na poesia de Mário
Jorge, nos desenhos, nos textos de Mário Jorge, e irão encontrar a metáfora ou o epigrama daquele tempo.
Ana Lúcia, irmã de Jorge se fez, como tantas outras pessoas, - Ilma
Fontes destacadamente entre elas,- curadora da obra, organizou eventos , percorreu as quatro décadas desde
que se foi o poeta, cada vez mais vivo na sua obra concluída naquela manhã de
sol de janeiro, lá se vão, 40 anos.
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