sábado, 14 de abril de 2012

¨DAR A VIDA É DAR À LUZ¨

Sempre o sergipano ministro a oferecer ao debate suas lapidares frases que, jurídica e  também poeticamente, sintetizam a essência  da razão nos argumentos que se entrechocam.  No julgamento  da questão dos fetos anencéfalos, ( descerebrados )  Carlos Ayres de Britto fulminou, sem perder a ternura, e  dando irrespondível consistência do que afirmava: ¨Dar à luz é dar à vida¨. Não  precisaria dizer mais nada.
Uma questão que envolve   saúde,  procedimentos médicos, onde, com precisão absoluta, a ciência comprova que não existindo o cérebro  não existe a vida, foi transformada num  conflito, com  as fortes e quase sempre irracionais marcas dos dogmas religiosos.  Surgiram argumentos  à sombra de uma visão que se  foi diluindo no crepúsculo da Idade Média,  quando as luzes do Renascimento começavam a clarear os caminhos  do humanismo.
No fundo da Idade Média, no cenário europeu, a vida era uma infindável celebração de rituais religiosos.  Dos sinos das igrejas as populações das aldeias recebiam os sinais que comandavam a existência, pontilhada pelas  constantes procissões, as missas repetidamente celebradas, os exorcismos para afugentar o demônio, visto frequentemente a rondar os cemitérios. Havia dois  grande momentos nas povoações isoladas: a chegada dos pregadores  e dos menestréis.
Ouvindo os pregadores, a multidão entrava em transe, debulhava-se em prantos convulsivos, e o sentimento dominante era  exatamente manifestado naqueles ritos expiatórios, onde  se amaldiçoavam os eventuais prazeres da vida, e até almejava-se encurtar o tempo da existência, para que se alcançasse a gloria do paraíso , a libertação daquele ¨vale de lágrimas ,¨ na definição de  Santa Tereza D`Avila,  que aguardava, esperançosa, o dia da própria morte. Paradoxalmente, a Igreja Católica que detinha o privilégio do conhecimento, com as bibliotecas que guardava nos seus conventos, e os seus  tradutores e copistas que preservavam e multiplicavam o saber , inclusive o científico, aquele Igreja beneficiária do clima e  mantenedora das concepções medievais, tornou possível o Renascimento, ao debruçar-se sobre  a cultura helênica e aceitar os ensinamentos dos seus filósofos,  a cosmovisão, que favoreceu a aventura dos descobrimentos.  Quando tornou possível a revelação do corpo humano e estimulou as artes, abrigando nos seus templos, aquilo que antes era visto como  sacrilégio e profanação, a igreja sepultou preconceitos e estimulou o  pensamento e a criação.
Hoje, tantos séculos decorridos, tantas revoluções acontecidas, tanto progresso social, tantas mudanças e transformações, há certamente que se fazer uma reflexão sobre os novos tempos, mas, sem que seja preciso ir buscar inspiração nas sombras da Idade Média, quando se levavam hereges e bruxas às fogueiras  para  ¨  queimar  o corpo e santificar a alma ¨.   E ainda se chama de cruéis e ímpios aqueles Caetés das praias alagoanas que degustaram as carnes do Bispo Sardinha.
Direitos civis, liberdade individual, ciência, não são temas que possam ser  tratados na restrita perspectiva dos dogmas. Esse caso específico  que acaba de ser decidido com lucidez  pelo STF,  autorizando o aborto para casos  de ausência de cérebro nos fetos, não interfere nas convicções religiosas.  Quem é católico, evangélico, ou seguidor de qualquer outra religião, não  fica obrigada a interromper a gestação, não há intromissão na liberdade religiosa, da mesma forma, não deveria haver intromissão das religiões  num Estado laico, como é o caso do brasileiro. De resto, querer impor a uma mulher que alimente em seu ventre, durante nove meses de dor e angústia um feto sem nenhuma possibilidade de vida, é algo cruel, desumano, um desrespeito à vida da própria mãe. Não se defende a vida, sacrificando-se  uma outra.

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