O ¨livrinho ¨, como o chamava o marechal – presidente Eurico Gaspar Dutra, ( o pequeno opúsculo desde então cresceu , tornou-se alentado e minudente volume regulador da nação) o ¨ livrinho¨, agora quase um cartapácio, preceitua, no artigo 142, paragrafo 3º inciso IV : ¨Ao militar são proibidas a sindicalização e a greve¨.
A vedação é terminante, clara, concisa, insofismável. Militar não pode fazer greve.
Greve equivale a sublevação, motim, porque fere a disciplina, subverte a hierarquia desrespeita a lei maior do país. Por estarem de armas nas mãos, armas que a Nação lhes confia, o militar, mais do que qualquer outra categoria, deve ser rigorosamente submisso à lei. Quando o desrespeito à lei se torna procedimento coletivo, ficamos a beirar os modos da selva. E essa proximidade com onças tacapes e canibais, destrói o conceito de civilização. Os policiais baianos não fazem ¨apenas¨ uma greve, eles afrontam o estado democrático de Direito, e o afrontam da maneira mais absurda e imprudente: exibindo armas, destruindo patrimônio público, interrompendo vias públicas, como se confundissem a farda honrada de uma corporação com o capuz das gangues urbanas de baderneiros.
As cenas exibidas na TV foram deprimentes, pior ainda, as gravações das falas de incitação à desordem. Líderes, ( seriam mesmo ?) mandando incendiar veículos e interromper estradas. A sociedade baiana abandonada, viu proliferar a violência, os assaltos, as depredações, e muitas mortes. O rombo na economia foi enorme, todos aqueles que em maior ou menor quantidade contribuem para que sejam pagos os salários dos policiais sofreram prejuízos, ou tiveram de chorar pelos mortos que poderiam estar vivos, se não lhes houvesse faltado o aparato da segurança que sumiu, dando lugar à bagunça.
No instante baiano de Somália, era preciso que uma voz respeitada viesse em socorro do conceito de autoridade, da preservação da lei. E ela saiu do Supremo Tribunal, a fala firme e sensata de um jurista poeta, o ministro Carlos Britto. Sufocado o poeta pela crueza da realidade, surgiu o cidadão que a toga só fez fortalecer. A sensibilidade faz nascer o poema, e também a indignação. O ministro Carlos Britto, constitucionalista por sapiência e atitudes, lembrou da proibição contida no ¨livrinho¨, traçou o caminho legal a ser seguido, mostrou que o desrespeito à lei não deveria ser tolerado, e que as forças armadas poderiam ser chamadas a desempenhar o papel que constitucionalmente lhes está reservado.
Teria mudado a visão democrática, a vocação para o entendimento e o diálogo que fazem parte da formação ideológica do ministro? Pelo contrário. A Constituição de 88 foi elaborada para dar sustentação ao Estado democrático que surgia após os descaminhos do autoritarismo e do arbítrio. Ela é a síntese que resultou da soma convergente dos ideais do povo brasileiro, é o consenso a que chegou a Nação pelo trabalho persistente dos seus constituintes. Não pode ser esquecida pelos que detêm parcelas de autoridade, nem pisoteada nas ruas, paradoxalmente, pelos que fizeram um juramento de respeito às leis, e receberam armas para garanti-las. No STF, o Ministro Carlos Britto cumpre, exemplarmente, a tarefa que lhe cabe de defender a Constituição.
A Nação espera que a voz do ministro sergipano tenha sido ouvida, principalmente no tumulto de reivindicações que são justas, todavia, ilícita e deploravelmente conduzidas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário