Desde que, ainda em 1930, um quase menino, Jorge Amado, escreveu O País do Carnaval, quando se quer, depreciativamente, referir-se ao Brasil, sempre vem a alusão: - isto aqui é o país do carnaval. Seria assim a terra dos folguedos lúbricos, da irresponsabilidade generalizada, da disposição exclusiva para a festança, da aversão ao trabalho, da descompromissada existência de uma gente tropical herdeira da malemolência de raças pouco afeitas aos horários, ao cumprimento de tarefas. O carnaval, síntese de todos esses sentimentos defeituosos, ponto culminante das deformações de um povo. Leram mal, interpretaram pior ainda o livro de estreia do grande romancista. Não enxergaram, certamente, a pulsação do novo, a chegada das transformações esperadas, que viriam com a sonhada revolução que aconteceu naquele ano mesmo, em outubro.
O carnaval separava-se em classes, desde a fuzarca da ralé, aos bailes black-tie dos endinheirados. No Rio, era o morro dos malandros e da navalhada contrastando com a feérica ostentação do Municipal. No Recife, o Zé Pereira dos negros pobres, e o contraponto da sofisticação no Internacional, no Cabanga, a eles, só a orgulhosa aristocracia branca pernambucana tinha acesso. Em Aracaju, a incipiente classe média chegou a brincar nas ruas, para depois, delas desaparecer, Carnaval sempre foi uma sucessão de fiascos, o Iate Clube era chamado de ¨aristocrático clube da praia 13 de julho¨. O Brasil que inventou a igualdade democrática das praias, fez desaparecer também a barreira de classes, e nas escolas de samba juntou pobres, ricos, anônimos e famosos. Fez do Carnaval o maior espetáculo do mundo.
O brasileiro sabe fazer festa. O carnavalesco Joãozinho Trinta foi sepultado em dezembro recebendo as homenagens devidas a um gênio da nossa raça. Essa capacidade inata para fazer festa, transformou-se, também, numa forma socialmente útil de produzir dinheiro, gerar riquezas, criar empregos. Assim, País do Carnaval deixou de ser expressão pejorativa para tornar-se um dos componentes da boa imagem brasileira que se consolida pelo mundo. Todavia, ainda há muitos que nutrem pesados preconceitos, a respeito do carnaval em particular, e no geral, contra todas as manifestações de alegria do povo.
Em Salvador, o Corredor da Folia percorre quilômetros dos mais caros metros quadrados da cidade, mas, os endinheirados que ali residem, nem de longe ousariam insinuar que o trajeto carnavalesco e de tantas das numerosas festas baianas mudasse, para preservação do sossego invariavelmente perturbado pelas dezenas de estridentes trios elétricos. Nos prédios de luxo as pessoas se concentram nas varandas, participam da folia, outros, talvez a maioria, descem para juntar-se à multidão em delírio. O desenvolvimento, as mudanças que acontecem na Bahia, em parte se devem à vocação festiva do baiano, é isso que faz da Bahia um destino turístico internacionalmente valorizado. Alegria, alegria, a música de Caetano poderia até ser um hino baiano.
Alguém lembra de como era o carnaval em Aracaju ? Quantas vezes, prefeitura, governo do estado se juntavam para ¨ajudar o carnaval¨, e quantas vezes inutilmente se torrou dinheiro ?
Ai, apareceu o menino Fabiano, ele inventou um Precaju miudinho , que foi crescendo. Hoje é atração turística, traz cem mil pessoas a Aracaju, vindas do interior, de outros estados, principalmente da alegre Bahia. Corre dinheiro, sem duvidas, alguns faturam bem, muitos engordam o orçamento como vendedores espalhados por todos os cantos, pelas margens do corredor onde se concentra a ¨pipoca ¨, aqueles que não têm dinheiro nem mesmo para comprar os abadás estiradamente financiados, mas, nem por isso, deixam de se divertir. Os hotéis, os restaurantes, os bares, enchem , os taxistas faturam mais, a cidade de um modo geral ganha. Mas há aqueles que, para manter o conforto pessoal perturbado durante 3 ou 4 escassos dias de um ano inteiro, entendem que o Precaju deve acabar.
Contra o Precaju conspiram 4 coisas: preconceito, ranzinzice, olho grosso e burrice.
Logo agora, quando o País do Carnaval se transforma em caso de sucesso.
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