Vem de
longe a ideia desse Canal de Xingó que, agora, o governador Marcelo
Déda começa a transformar em realidade.
Ainda na
década dos oitenta, pessoas retiradas das suas terras inundadas
por uma das barragens do complexo hidrelétrico de Paulo Afonso,
iniciaram uma luta para que os lotes recebidos, em meio à caatinga
ressequida, fossem beneficiados com um projeto de irrigação. O
São Francisco não ficava longe, apenas a uns poucos quilômetros.
Os que tinham sido afastados das margens do São Francisco
continuavam sem nenhuma perspectiva de uma compensação, que seria
a água nas suas terras. Foi então que um engenheiro italiano,
Ferdinando Facenda, responsável por alguns projetos de irrigação
na bacia do São Francisco interessou-se pelo caso dos assentados
no chão seco, e começou a estudar um projeto de custo reduzido,
sem bombeamento, com a água chegando por gravidade. Esmiuçando a
topografia da região, o engenheiro verificou que poderia levar água
não só até o assentamento, mas, iria bem mais longe, descendo em
curvas de nível por Paulo Afonso, Santa Brígida, entrando por
Canindé do São Francisco, prosseguindo por Poço Redondo, Monte
Alegre, Glória, ai, ramificando-se o canal, com uma das vertentes
chegando até Pinhão, Frei Paulo, e finalmente Ribeirópolis.
Tratava-se de um primeiro esboço do Canal Dois Irmãos que surgia,
algo portentoso, comparável à uma obra de transposição.
Era um
tempo difícil de inflação descontrolada, vivíamos o governo
Sarney. O canal que beneficiaria a Bahia, e em maior amplitude a
Sergipe, necessitava da articulação forte entre os dois governos.
Eram governadores, de Sergipe, Antonio Carlos Valadares, e da
Bahia, Waldir Pires. Quem primeiro recebeu o projeto foi o então
Ministro do Interior João Alves Filho. Um jornalista de Sergipe
tomou conhecimento dele em Paulo Afonso, numa reunião dos
assentados com o engenheiro Ferdinando . Então, solicitou uma cópia
e a entregou, no aeroporto de Aracaju, ao chefe de gabinete do
Ministro, o advogado e professor João Barreto. O ministro
entusiasmou-se com o projeto, o governador Valadares desenvolveu
gestões para que a obra começasse a andar. Mas, naquele tempo,
fazer um projeto com aquelas proporções era algo quase impensável,
até porque, o presidente Sarney já definira, como prioridade para
a região, a ferrovia transnordestina, que consumiria boa parte do
pouco
que restava nos cofres depois de pagar os juros da monumental dívida
externa.
O
projeto do Canal Dois Irmãos foi guardado numa gaveta, mas não saiu
da memória de tanta gente que acreditava na possibilidade da obra
que, se realizada, acabaria as agruras de uma das áreas mais secas
do sertão baiano, alcançando mais de sessenta por cento do
semiárido sergipano. Para a Bahia, com seu imenso território, o
Dois Irmãos não seria obra tão estratégica, beneficiaria
apenas uma área de dois municípios extremamente áridos, Paulo
Afonso, e o paupérrimo Santa Brígida, mas, para Sergipe, seria
obra fundamental, abrangeria quase toda a região castigada pelas
estiagens. Assim, sem a parceria forte com a Bahia seria mais difícil
remover os obstáculos em Brasília. Sergipe, com seu reduzido peso
político, teria de lutar quase sozinho. O Canal Dois Irmãos era
uma obra complexa, teria um volume de água bem maior do que a nova
configuração atual, quando se transforma em Canal de Xingó. Iria
perenizar rios intermitentes, teria trechos navegáveis por pequenas
embarcações, isso num período em que ainda não se agravavam as
condições do rio São Francisco, com suas águas que se tornam
escassas, cada vez mais destinadas, apenas, à geração de energia
nas imensas hidrelétricas. O Dois Irmãos se ramificaria numa rede
interligada de rios e canais, e em alguns pontos exigiria também
bombeamento. O projeto do Canal de Xingó é bem mais simples, mais
funcional, todavia, mantendo as características básicas da ideia
inicial do engenheiro Ferdinando Facenda. Mesmo assim, está orçado
inicialmente em dois bilhões e quatrocentos milhões de reais. Não
deve ter sido fácil para o governador Marcelo Déda retirá-lo das
gavetas para colocá-lo na pauta do governo federal. A presidente
Dilma Rousseff já demonstrou que o canal está incluído entre as
suas prioridades, daí, certamente, a velocidade com que o ministro
da Integração, Fernando Bezerra, chegou a Sergipe para liberar a
primeira parcela destinada, somente, à elaboração técnica do
projeto.( continua no próximo domingo)
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