Na grande depressão de 1929, magnatas americanos, entre eles poderosos banqueiros, esborracharam-se sobre o asfalto depois de vertiginoso mergulho suicida. Saltavam dúzias deles, todas as semanas, dos seus escritórios no alto dos formidáveis edifícios já dominando a paisagem nova-iorquina naquela segunda década do século 20.
Era a primeira grande e bem explicita crise do capitalismo. Muitos, inspirados em Marx e Engels, precipitadamente imaginaram que aquela seria a doença final que levaria a economia de mercado ao mesmo túmulo onde já descansavam, esquecidos, o feudalismo, o mercantilismo, dois outros sistemas econômicos, o último deles, aliás, bem aparentado com o capitalismo, que os matou. Doze anos antes o capitalismo fora sumariamente executado, na grande Rússia, transformada em União das Repúblicas Socialistas Soviéticas pelos revolucionários bolchevistas que a criaram, para começar a instalar o comunismo. Acreditavam, todos eles, que faziam o parto forçado da mais avançada e última etapa da evolução social e econômica da humanidade. Não foi bem assim, como se constataria, antes mesmo que o século terminasse, quando desabou o Muro de Berlim, e a URSS voltou a ser a velha Rússia, alterando topônimos que a Revolução criou, para fazê-los voltar às suas raízes mais fundas na História da ¨ mãe Rússia¨, dos tzares autocratas , dos mujiques, dos popes, da Catedral de São Basílio, com sua arquitetura de pagode chinês , e também de Tolstoi, Dostoeivski.
Stalingrado, a heroica Stalingrado, que humilhou os exércitos de Hitler, é agora Volgogrado; Leningrado, berço da revolução, é, de volta, a São Petersburgo.
Durante esse curto espaço de tempo histórico que medeia entre o fluxo e o refluxo de uma revolução, o capitalismo viveu um outro processo paralelo de depressão e euforia. Imaginou-se, quando findou o mundo dito socialista, que começava, então, a duradoura hegemonia dos Estados Unidos, e, com ela, a preponderância absoluta e incontestada da economia de mercado, que não mais encontraria barreiras para a sua expansão. A ilusão durou pouco.
A crise iniciada em 2008 dá um surpreendente repique agora. Pode não ser, mais uma vez, a crise derradeira do capitalismo, mas será, sem duvidas, um ponto crucial de inflexão na ideia de um ilimitado mercado financeiro global, como centro condutor de todo o sistema econômico.
Até hoje, nesta crise, não se viu um só magnata , um grande banqueiro, desabando do alto dos edifícios de Nova Iorque. Desta vez não há motivos para que eles desistam da vida, embora a economia global esteja enfrentando uma assustadora turbulência, que poderá levar centenas de milhões de pessoas a mergulharem na miséria.
A crise que vira o mundo de ponta cabeça é, na sua essência, causada pelas estripulias da banqueirada global. Mas eles não estão nem aí. Em 2008 quando o governo Obama injetou centenas de bilhões nos bancos que começavam a falir em cascata, firmou-se entre os magnatas das finanças a convicção de que eles sempre estariam certos. Embora o mundo caísse ao seu redor, nem um só banqueiro seria atingido pelos escombros do desabamento. Pelo contrário, continuariam todos ricos, poderosos, no comando absoluto da dinheirama global, cometendo erros em cima de erros, emprestando sempre mais a países e empresas que não poderiam saldar as dívidas, confiantes no socorro infalível que receberão quando se declararem malandramente inadimplentes.
Mas a crise de agora tem uma característica nova que poderá determinar o fim de uma era marcada pela irresponsabilidade das finanças globalizadas e sem nenhum controle.
A população massacrada dos países vítimas dos financistas impunes, começa a encher as ruas. . Há uma reação enorme contra as medidas de arrocho, de contenção de gastos, de corte nas verbas dos programas sociais. Uma revolta imensa contra o absoluto predomínio do mercado financeiro. O povo se recusa a pagar a impagável conta da irresponsabilidade gananciosa de uma elite formada pelos desavergonhados sugadores da riqueza mundial. Coisa inédita: na Wall-Street multidões se aglomeram exigindo garantia de emprego, manutenção dos programas sociais e punição para os responsáveis pela bancarrota.
Desta vez, o capitalismo, se quiser escapar do seu fim sempre desenhado pelos profetas que antecipam a História, terá de por algemas em muitos banqueiros, terá de estabelecer rigorosos controles sobre as finanças globais, e, mais ainda, ampliar a presença do Estado na economia, livrando-a, em grande parte, da subordinação ao mercado. Parece uma heresia. E é mesmo, sem nenhuma duvida . Mas, foi com uma heresia assim, que Roosvelt conseguiu superar a crise que se arrastava a partir de 29. Lord Keynes autor intelectual das heterodoxias salvadoras, não era nenhum revolucionário, pelo contrário, um conspícuo integrante da elite aristocrática inglesa, crente fervoroso nas virtudes da livre iniciativa.
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