domingo, 18 de setembro de 2011

VALADARES, A FARINHA E O CAVIAR

 Sai daquela farinha, daquele bucho, das coisas mais  baratas que o povo come, uma boa parte dos impostos que vão  para os cofres públicos. O pobre, o assalariado, aqueles que modestamente ou até miseravelmente levam a vida, também as três categorias da classe média, todos esses não conseguem escapar   dos impostos, seja através da renda que desfrutam, ou, mais ainda, em todas as compras que fazem. O alimento, por mais simples que seja, é um bom exemplo  de como a carga tributária recai perversa e desigualmente, até sobre a cesta básica. Já aqueles que podem tranquilamente consumir um  caviar  pagando mais de cem reais o grama, um  vinho de cinco mil dólares, trufas raras das terras escuras e untuosas  dos bosques franceses ou italianos,  coisa assim, batendo acima dos  três mil dólares, essas preciosas e inacessíveis sofisticações  gastronômicas, parte do cotidiano dos muito  ricos, são, sem duvidas, pesadamente taxadas, mas, os não amedrontados com o elevado preço que pagam, certamente,  seriam beneficiados pela leniência fiscal que privilegia os muito ricos. Ou então, seriam sonegadores. Alguém dirá, mas esses, assim tão endinheirados, são geralmente empresários bem sucedidos, e suas empresas recolhem muitos impostos, geram empregos. O ente jurídico, a empresa, paga impostos,  quando não desfruta de generosas isenções, enquanto a pessoa física, o empresário, os executivos,  algumas vezes acumulam fortunas, fazem sempre uma bem sucedida alquimia que os livra até das garras implacáveis do imposto de renda. Acumular patrimônio,  usufruir  do que o dinheiro proporciona, até dissipar em  coisas supérfluas  a fortuna amealhada, nada disso é ilegal, embora o bom senso e a realidade social em que vivemos recomendem um estilo de vida menos ostentatório,    mesmo para os que podem despreocupadamente levar a vida a torrar dinheiro, o que aliás não faz parte do comportamento de bilionários sensatos.
Discute-se agora a ideia de taxar milionários. Warren Buffett, um ricaço americano, publicou um artigo no qual pedia para que ele e os demais magnatas  fossem finalmente considerados contribuintes,  como todos os demais americanos. Foi George W. Bush, um energúmeno, (ou seria mentecapto?)  que isentou a plutocracia americana da corriqueira obrigação de pagar impostos como qualquer um dos mortais. Hoje, os Estados Unidos assistem o crescimento da pobreza, o desemprego em alta.   Para muitos analistas não passam agora de um colosso em decadência e agonia, e os seus estertores  contaminam o mundo, globalizam a crise. 
Depois  de Warren Buffett foram surgindo outros  endinheirados a oferecer-se para pagarem impostos. Na França, na Alemanha, a iniciativa também está partindo dos  bilionários.  São poucos,é verdade, uma pequena parcela dos mais ricos, todavia, a simples denuncia de um inconcebível privilegio, já surge como prenuncio de uma mobilização pela equidade fiscal,  revelando a contrafação  de uma iniquidade que um mundo em crise , com a miséria aumentando, não poderá tolerar. O presidente  Nicolas Sarkozy, apenas com o aumento  de três por cento no imposto sobre as grandes fortunas vai fazer o tesouro da França arrecadar mais quase trezentos milhões de dólares por ano. É muito pouco ainda, principalmente para um pais  hoje sem preocupações com a agressividade dos vizinhos,  que reduz a assistência social, mas mantem os imensos gastos com um aparato bélico incompatível com as suas possibilidades, o que, de resto, é um  acinte contra  os seus próprios cidadãos, praticado por quase todos os países de uma Europa em estado pré-falimentar. Além da França,  Portugal já taxou em 2,5 % quem ganha mais de 153 mil euros por ano. Na Itália, o gangster Berlusconi, derrubou uma proposta de taxação de 5% dos que ganham acima de 90 mil euros por ano. Na Inglaterra, berço do capitalismo, quem ganha mais de 150 mil libras por ano( cerca de 430 mil reais ) é taxado em 50%.  Os Estados Unidos que conservam os ricos imunes aos impostos, que colocaram as petroleiras rapaces num nicho de privilégios, têm hoje, nas suas cidades, mais de 15 milhões de pessoas que passam fome, e os pobres já se aproximam dos 50 milhões.  Para os republicanos, que vêm o miserável como um incapaz ou preguiçoso, nem pensar em tirar um pouco dos muito ricos para reduzir a miséria.
No Brasil ,  até agora, não apareceu nenhum rico querendo pagar mais impostos, a não ser  Eike Batista, que já disse ser justa a taxação das grandes fortunas. Espera-se, porém, que a reação ao projeto agora apresentado pelo senador Valadares, não seja algo tão irracional, tão furiosamente denunciado como  ¨coisa de comunista¨.  O projeto de Valadares  segue a corrente  dos que, evidentemente, não querem  sufocar o empresário,  extinguir a riqueza, mas, diante da configuração da nova realidade mundial entendem que, mais do que nunca, é preciso perder alguns anéis para  que possam ser preservados os dedos.
A Constituição brasileira de 1988, prevê  um imposto sobre as grandes fortunas. Transcorridos 23 anos desde a promulgação da  Carta, o Congresso nunca se moveu para  fazer a regulamentação.

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