DEPOIS DA SECA O DILÚVIO
Depois da seca sempre vem o
dilúvio. Nada a ver com a frase famosa de veracidade duvidosa atribuída a Luiz XV: ¨Après
moi le deluge ¨, depois de mim o dilúvio. No caso do rei francês, ele demonstrava a sua
absoluta despreocupação ou total irresponsabilidade com os destinos do país que
governava, no caso nosso, aqui,
incrustados neste sofrido semiárido nordestino, o final do ciclo de estiagem é, quase sempre,
literalmente um dilúvio. O ribombar dos trovões e o clarão dos
relâmpagos sinalizam ao sertanejo que chegou o tempo das trovoadas, e, com ele,
se vai a seca, e as águas caem
descomedidas, as enxurradas
ganham força pelos declives pedregosos,
arrastam árvores, casas, estradas,
alagam cidades, os leitos secos dos rios transbordam, e encharcam as caatingas. As estiagens mais
longas quase sempre findam dessa forma que pode ser alvissareira ou também
desastrosa. Durante as secas, fica-se a
esperar o dilúvio, que é uma espécie de
salvação e também castigo. Agora, o final
da estiagem com o cenário apoteótico de trovões e raios anunciando a
tempestade tão aguardada, ao que tudo indica,
este ano não irá acontecer. Na manhã de
quinta-feira dia 11, o Secretário do Meio Ambiente Genival Nunes, na sala de situação agora up
to date, ou seja, dotada
do fino da tecnologia
disponível, e a sua equipe de técnicos
liderada pelo meteorologista e também atormentado sertanejo, Overland Amaral, mostravam a quantas anda a temperatura nos
oceanos que circundam o nosso continente, Atlântico, aqui junto, Pacífico, às nossas costas, bem longe, todos marcados por extensas
manchas azuis, o que, explicava com charme feminino e precisão cientifica a meteorologista Aline Moura, é o pior sinal para
quem vive a ansiosa espera da
chuva.
Aquelas manchas indicam águas
frias, locais de onde não saem os ventos e a umidade que viriam se transformar
em aguaceiros aqui pelo nordeste. As previsões são decepcionantes. A seca vai
continuar. Por conta dela, a farinha,
nosso tão básico e popular alimento, já chega aos sete reais o quilo, antes, comprava-se o insubstituível produto da
suculenta mandioca por menos de dois reais. E farinha sempre foi o sustento do
pobre. Pelo sertão contam-se às dezenas de milhares o gado e as miunças mortas. Pelas estradas já fazem protestos
jogando ossos dos animais perdidos.
Rubem Braga, lembrado vagamente agora no
seu centenário, escreveu sobre promessas feitas por prefeitos cariocas para
acabarem as inundações, e o fato de que
elas acabavam mesmo, quando as chuvas terminavam. Se o cronista, da sua clausura de Ipanema onde
contemplava com olhar de gênio o resto do mundo, houvesse passeado os olhos
pelo nordeste em tempo de seca, teria escrito sátira semelhante.
Olhando as imagens tão vivamente
coloridas, e ouvindo as previsões, estavam o vice –prefeito de Canindé, Avelar
Feitosa, e o professor Chico
Dantas, enviados pelo prefeito Heleno Silva para se inteirarem do comportamento
dos ventos, das temperaturas, da umidade, das nuvens, das águas do oceano,
todos aqueles elementos que formam a complexidade do clima, tudo aquilo a ser
traduzido em duas simples palavras: seca, ou chuva. E o que ouviu Heleno, na outra
ponta da linha em Brasília, foi: Seca. Ai, continuou mais insistentemente a sua
jornada de pedidos ou quase súplicas pelos ministérios, lembrando-se daquelas promessas de ajuda emergencial, recursos, projetos, ações consistentes, que,
de uma vez por todas nos livrem dessas
secas que não têm fim, dessas secas sem
a cena final do dilúvio. No dia seguinte, pela manhã, reuniam-se em
Canindé todos os prefeitos do semiárido, o secretário da agricultura Zezinho
Sobral, os deputados Valadares Filho e João Daniel. Formavam um afinado coro:
eram as vozes da seca. A reunião terminou com
o anuncio da criação do Conselho do Semiárido, formado pelos prefeitos,
presidido por Heleno Silva, secretariado pelo ex-prefeito Frei Enoque. As vozes
da seca vão ganhar amplitude.